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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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MÔNICA BERGAMO

Fabiana Beltramin/Folha Imagem
Edgard Peixoto conviveu diariamente, por 19 anos, com o empresário Roberto Marinho


O Planalto enfrenta a carestia

As licitações abertas na semana passada pela Presidência da República para comprar de bebidas e alimentos a toalhas e lençóis revelaram, além das necessidades de abastecimento da casa do presidente Lula (e dos palácios do Planalto e do Jaburu), os preços máximos que o governo admite pagar pelos produtos. Eles foram fixados, diz a assessoria, depois de pesquisa telefônica feita em vários estabelecimentos.
 
Em tempos de recessão e até de deflação, a quantas anda a eficiência dos funcionários do Planalto para economizar? A coluna consultou uma dona-de-casa que faz coleta de preços para a FGV e percorreu lojas e supermercados, dos mais chiques aos mais populares de SP, para descobrir.
 
A Presidência encomendou, por exemplo, 20 jogos de toalhas (duas de banho, duas de rosto e um tapete 100% algodão egípcio). Se dispõe a pagar até R$ 110 por cada jogo. Nas Pernambucanas, eles custariam R$ 89 -e não seriam do sofisticado fio egípcio. Já na Trusseau o jogo custa R$ 537. Para comprar 600 taças de cristal para água, vinhos e champanhe, a Presidência admite gastar R$ 14.104. Na rua 25 de Março, as mesmas taças sairiam por R$ 3.400. Já em lojas de cristais tchecos, poderiam custar R$ 19.350.

"É uma família de gourmets"
A dona-de-casa Miriam Maillo, 60, é uma das 112 mulheres que batem perna em supermercados para fazer pesquisas de preços para a FGV. Com os dados, a fundação chega ao IPC, um dos índices que medem a inflação. Miriam analisou uma das listas de compras dos palácios presidenciais -aquela que, ao ser divulgada, previa a aquisição, por até R$ 145 mil, de produtos típicos de supermercados, como 600 quilos de bombons Sonho de Valsa e 2.000 vidros de molho de pimenta, além de geléias, gelatinas, mel, açúcar e polenta (essa licitação foi suspensa temporariamente para ajustes em alguns pontos). Miriam concordou em dar a sua opinião sobre ela antes de saber quem seriam os consumidores dos produtos.
 
"Essa lista é de uma família de classe média alta, que procura itens que não são extremamente caros, mas muito bem escolhidos. É uma família de gourmets, que sabem comer bem. Aqui não tem porcaria." Uma das ressalvas de Miriam foi em relação ao arroz arbório. "É um produto importado, muito caro." A Presidência admite pagar até R$ 13,50 por cada pacote de 1 kg desse tipo de arroz. Num dos supermercados populares de SP, o quilo do arroz comum pode ser comprado por R$ 1,49.
 
A coluna foi a um supermercado da rua Oscar Freire, nos Jardins, considerado um dos mais caros da cidade, e a outro em Santo Amaro, de uma rede popular. Constatou que boa parte dos produtos da lista da Presidência estava com preço mais alto do que os encontrados no supermercado popular. Muitos eram, no entanto, mais baratos do que os do supermercado chique. Há casos, porém, em que o Planalto admite comprar produtos por preços superiores até aos da Oscar Freire. Um exemplo: o pacote de 500 g de feijão-de-corda fradinho estava na lista do Planalto por R$ 3,46. O preço mais caro encontrado pela coluna para o mesmo feijão foi de R$ 3,25. Em grandes quantidades -só de biscoito, a licitação previa a compra de 14.600 pacotes-, a diferença pode se tornar gigantesca.
 
Para comprar geléia de morango também é possível que a Presidência gaste mais do que o necessário: o preço unitário que constava no edital divulgado na semana passada admitia pagar em cada vidro R$ 3,2. A geléia mais cara encontrada na Oscar Freire custa R$ 2,8.
 
Já na compra de caixas de fósforos e bombons Sonho de Valsa o Planalto poderá economizar. Todos os preços estavam cotados até por menos do que custariam nos supermercados populares. Os fósforos, na lista, estavam por R$ 0,90, contra R$ 1,15 do encontrado pela coluna em Santo Amaro. O pacote de 1 kg de Sonho de Valsa estava cotado a R$ 15,99 -em Santo Amaro, ele custa R$ 21,56.
 
Os preços de um mesmo produto podem variar de forma espantosa, dependendo do local e da marca. Uma caixa de açafrão estava cotada, na lista do Palácio, por R$ 2,9. Caixa do mesmo produto foi encontrada pela coluna por R$ 0,95 e por R$ 13,5. O vinagre, que na lista da Presidência custava R$ 0,95, pode ser comprado por R$ 0,85 em Santo Amaro, e por R$ 12,5 na Oscar Freire.

@ - bergamo@folhasp.com.br

COM JOÃO LUIZ VIEIRA, ALVARO LEME E CLÉO GUIMARÃES

ROBERTO MARINHO

O mordomo é testemunha

Edgard Peixoto, 45, conviveu por 19 anos com o empresário Roberto Marinho, da TV Globo, morto na quarta-feira. Começou a trabalhar em sua casa, no Cosme Velho, lavando pratos, e terminou como mordomo, no comando de 33 funcionários. Presenciou o encontro de Marinho com presidentes (José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Fidel Castro), ministros e empresários. Na semana passada, foi ele quem chamou os médicos quando o patrão, segurando em sua mão, começou a passar mal. Ao saber, mais tarde, que Marinho havia falecido, Edgard foi atendido num hospital do Rio. No dia seguinte, ele deu à coluna um depoimento emocionado sobre o ex-patrão:
 
Folha - Como você conheceu o doutor Roberto?
Edgard -
Eu estava terminando um curso de garçom no Senac, e o maître de lá me indicou para três empregos. Perguntei: qual dá moradia? Ele falou: "A casa do Roberto Marinho. Só que lá você vai trabalhar quase 24 horas por dia". Comecei lavando pratos.

Folha - Como foi promovido?
Edgard -
O copeiro do doutor Roberto tirou férias, e me escalaram para trabalhar no segundo andar, que é onde ficam os quartos, a biblioteca, o cinema, a pinacoteca e o salão de jogos. No dia em que o copeiro ia voltar, eu fui me despedir. Ele disse: "Você vai ficar comigo". Em pouco tempo, ele me revelou até o segredo para abrir suas pastas de documentos. Quando se separou de dona Ruth [Albuquerque], ele me chamou e disse: "A partir de hoje, você vai comandar a casa".

Folha - E quantos jantares, por exemplo, você organizou?
Edgard -
Ah, vários. Tenho os relatórios com a lista de todos os convidados que já passaram por aqui.

Folha - Quem ia sempre?
Edgard -
O [ex-presidente José] Sarney. O [ex-presidente] Fernando Henrique veio duas vezes, como presidente. [O ex-presidente] Fernando Collor tomou posse em janeiro e em março veio aqui, para um almoço a sós com o doutor Roberto. Só o [ex-presidente] Itamar Franco nunca veio. E o Lula esteve hoje, pela primeira vez [o presidente acompanhou o velório na casa de Marinho]. Fidel Castro veio em 89.

Folha - Como é o Fidel?
Edgard -
Ele chegou às 14h30, saiu às 15h40 e tomou apenas um copinho de vinho do porto. Quando eu desci para pegar o licor da adega, oito seguranças foram atrás de mim. O intérprete explicou: "Eles querem ver o que você veio pegar". Eu mostrei: "tá" aqui, é um licor, "tá" fechado. Me fizeram abrir, e um deles provou. Vieram atrás de mim na copa. Botei o licor no copo, andei para servir o Fidel- e os oito no meu pé.

Folha - E quando o doutor Roberto se casou com dona Lily Marinho, as coisas mudaram?
Edgard -
Ela se identificou comigo. Qualquer coisa que ela quer, se dirige a mim. Ela nunca se dirigiu nem à cozinheira. Ela vem a mim e pergunta: "O que vamos comer hoje?".

Folha - Como era a alimentação do doutor Roberto, que viveu tão bem por longos anos?
Edgard -
Era simples. De manhã ele só comia frutas: suco de lima-da-pérsia, mamão ou laranja cortados em pedaços. Em dias de jantares para convidados, dona Lily trouxe a tradição: de entrada, caviar e champanhe. Na refeição, vinho Chateau Haut Brion. E, na sobremesa, Château d'Yquem.

Folha - E a rotina?
Edgard -
Ele acordava muito cedo. Às 5h45, eu já tinha que estar com o café pronto. Tem uma academia aqui em casa com 18 aparelhos. Ele sempre se exercitava, na bicicleta ou na esteira. Caminhou até os 97 anos, 20 minutos por dia. Então lia o jornal, tomava banho e, no tempo em que ainda trabalhava, às 7h30 já estava na sede de "O Globo". Depois almoçava na televisão. Voltava para casa às 19h45, a tempo de ver o "Jornal Nacional". Eu o vi seguir essa rotina de 84 até 96.

Folha - Ele assistia ao "JN" todos os dias?
Edgard -
Todos os dias.

Folha - E fazia comentários?
Edgard -
Muitos. Cansei de vê-lo refazer as matérias, para não ofender ninguém. Ele sempre recebia [o texto] pelo fax, ou então o jornalista lia para ele por telefone. E ele dizia: "Não. Tira isso aí". A pessoa do outro lado da linha questionava: "Mas doutor Roberto, todos os jornais vão dar assim, nós não podemos ficar para trás". E ele: "Você tem que ver que está trabalhando para "O Globo". É um jornal sério. Você não está vendo que, se eu falar isso de fulano, eu estou ofendendo sicrano? Então, não pode. Fala de leve". A pessoa reclamava: "Mas doutor Roberto, não tem nada a ver!". Ele falava: "Lê a matéria. Lê a matéria que lá no final você vai ver que não estamos totalmente do lado dele. Mas não podemos é chegar e logo no começo da matéria dizer que fulano fez isso e fez aquilo". Era uma pessoa muito séria. Era extraordinário. Foi um pai para mim. Eu já sinto muito a falta dele.



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