|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
MÔNICA BERGAMO
Fabiana Beltramin/Folha Imagem
|
Edgard Peixoto conviveu diariamente,
por 19 anos, com o empresário Roberto Marinho |
O Planalto enfrenta a carestia
As licitações abertas na semana passada pela Presidência
da República para comprar
de bebidas e alimentos a toalhas
e lençóis revelaram, além das
necessidades de abastecimento
da casa do presidente Lula (e
dos palácios do Planalto e do Jaburu), os preços máximos que o
governo admite pagar pelos
produtos. Eles foram fixados,
diz a assessoria, depois de pesquisa telefônica feita em vários
estabelecimentos.
Em tempos de recessão e até
de deflação, a quantas anda a
eficiência dos funcionários do
Planalto para economizar? A
coluna consultou uma dona-de-casa que faz coleta de preços para a FGV e percorreu lojas e supermercados, dos mais chiques
aos mais populares de SP, para
descobrir.
A Presidência encomendou,
por exemplo, 20 jogos de toalhas (duas de banho, duas de
rosto e um tapete 100% algodão
egípcio). Se dispõe a pagar até
R$ 110 por cada jogo. Nas Pernambucanas, eles custariam R$
89 -e não seriam do sofisticado fio egípcio. Já na Trusseau o
jogo custa R$ 537. Para comprar
600 taças de cristal para água, vinhos e champanhe, a Presidência admite gastar R$ 14.104. Na
rua 25 de Março, as mesmas taças sairiam por R$ 3.400. Já em
lojas de cristais tchecos, poderiam custar R$ 19.350.
"É uma família de gourmets"
A dona-de-casa Miriam
Maillo, 60, é uma das 112
mulheres que batem perna em
supermercados para fazer
pesquisas de preços para a FGV.
Com os dados, a fundação
chega ao IPC, um dos
índices que medem a
inflação. Miriam
analisou uma das
listas de
compras dos
palácios
presidenciais
-aquela que, ao
ser divulgada,
previa a aquisição,
por até R$ 145 mil, de produtos
típicos de supermercados,
como 600 quilos de bombons
Sonho de Valsa e 2.000 vidros de
molho de pimenta, além de
geléias, gelatinas, mel, açúcar e
polenta (essa licitação foi
suspensa temporariamente
para ajustes em alguns pontos).
Miriam concordou em dar a sua
opinião sobre ela antes de saber
quem seriam os consumidores
dos produtos.
"Essa lista é de uma família de
classe média alta, que procura
itens que não são extremamente
caros, mas muito bem
escolhidos. É uma família de
gourmets, que sabem comer
bem. Aqui não tem
porcaria." Uma das
ressalvas de Miriam foi
em relação ao arroz
arbório. "É um produto
importado, muito caro." A
Presidência admite pagar até R$
13,50 por cada pacote de 1 kg
desse tipo de arroz. Num dos
supermercados populares de
SP, o quilo do arroz comum
pode ser comprado por R$ 1,49.
A coluna foi a um
supermercado da rua Oscar
Freire, nos Jardins,
considerado um dos mais
caros da cidade, e a outro
em Santo Amaro, de
uma rede popular.
Constatou que boa parte
dos produtos da lista da
Presidência estava com preço
mais alto do que os encontrados
no supermercado popular.
Muitos eram, no entanto, mais
baratos do que os do
supermercado chique. Há
casos, porém, em que o
Planalto
admite
comprar
produtos por
preços
superiores até
aos da Oscar
Freire. Um exemplo: o pacote de
500 g de feijão-de-corda
fradinho estava na lista do
Planalto por R$ 3,46. O preço
mais caro encontrado pela
coluna para o mesmo feijão foi
de R$ 3,25. Em grandes
quantidades -só de biscoito, a
licitação previa a compra de
14.600 pacotes-, a
diferença pode se tornar
gigantesca.
Para comprar geléia de
morango também é
possível que a Presidência gaste
mais do que o necessário: o
preço unitário que constava no
edital divulgado na
semana passada admitia
pagar em cada vidro R$ 3,2. A
geléia mais cara encontrada na
Oscar Freire custa R$ 2,8.
Já na compra
de caixas de
fósforos e
bombons
Sonho de
Valsa o
Planalto
poderá economizar. Todos os
preços estavam cotados até por
menos do que custariam nos
supermercados populares. Os
fósforos, na lista, estavam por
R$ 0,90, contra R$ 1,15 do
encontrado pela coluna em
Santo Amaro. O pacote de 1 kg
de Sonho de Valsa estava cotado
a R$ 15,99 -em Santo Amaro,
ele custa R$ 21,56.
Os preços de um mesmo
produto podem variar de forma
espantosa, dependendo do local
e da marca. Uma caixa de
açafrão estava cotada, na lista
do Palácio, por R$ 2,9. Caixa do
mesmo produto foi encontrada
pela coluna por R$
0,95 e por R$ 13,5.
O vinagre, que na
lista da Presidência
custava R$ 0,95,
pode ser comprado
por R$ 0,85 em
Santo Amaro, e por
R$ 12,5 na Oscar
Freire.
@ - bergamo@folhasp.com.br
COM JOÃO LUIZ VIEIRA, ALVARO LEME E CLÉO GUIMARÃES
ROBERTO MARINHO
O mordomo é testemunha
Edgard Peixoto, 45, conviveu por 19 anos com o empresário Roberto Marinho, da
TV Globo, morto na quarta-feira. Começou a trabalhar
em sua casa, no Cosme Velho, lavando pratos, e terminou como mordomo, no comando de 33 funcionários.
Presenciou o encontro de
Marinho com presidentes
(José Sarney, Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Fidel Castro), ministros e empresários. Na semana passada, foi ele quem chamou os médicos quando o
patrão, segurando em sua
mão, começou a passar mal.
Ao saber, mais tarde, que Marinho havia falecido, Edgard
foi atendido num hospital do
Rio. No dia seguinte, ele deu à
coluna um depoimento emocionado sobre o ex-patrão:
Folha - Como você conheceu o
doutor Roberto?
Edgard - Eu estava terminando um curso de garçom no Senac, e o maître de lá me indicou
para três empregos. Perguntei:
qual dá moradia? Ele falou: "A
casa do Roberto Marinho. Só
que lá você vai trabalhar quase
24 horas por dia". Comecei lavando pratos.
Folha - Como foi promovido?
Edgard - O copeiro do doutor
Roberto tirou férias, e me escalaram para trabalhar no segundo andar, que é onde ficam os
quartos, a biblioteca, o cinema,
a pinacoteca e o salão de jogos.
No dia em que o copeiro ia voltar, eu fui me despedir. Ele disse: "Você vai ficar comigo". Em
pouco tempo, ele me revelou
até o segredo para abrir suas
pastas de documentos. Quando se separou de dona Ruth
[Albuquerque], ele me chamou
e disse: "A partir de hoje, você
vai comandar a casa".
Folha - E quantos jantares, por
exemplo, você organizou?
Edgard - Ah, vários. Tenho os
relatórios com a lista de todos
os convidados que já passaram
por aqui.
Folha - Quem ia sempre?
Edgard - O [ex-presidente José] Sarney. O [ex-presidente]
Fernando Henrique veio duas
vezes, como presidente. [O ex-presidente] Fernando Collor
tomou posse em janeiro e em
março veio aqui, para um almoço a sós com o doutor Roberto. Só o [ex-presidente] Itamar Franco nunca veio. E o Lula esteve hoje, pela primeira vez
[o presidente acompanhou o
velório na casa de Marinho].
Fidel Castro veio em 89.
Folha - Como é o Fidel?
Edgard - Ele chegou às 14h30,
saiu às 15h40 e tomou apenas
um copinho de vinho do porto.
Quando eu desci para pegar o
licor da adega, oito seguranças
foram atrás de mim. O intérprete explicou: "Eles querem
ver o que você veio pegar". Eu
mostrei: "tá" aqui, é um licor,
"tá" fechado. Me fizeram abrir,
e um deles provou. Vieram
atrás de mim na copa. Botei o
licor no copo, andei para servir
o Fidel- e os oito no meu pé.
Folha - E quando o doutor Roberto se casou com dona Lily Marinho, as coisas mudaram?
Edgard - Ela se identificou comigo. Qualquer coisa que ela
quer, se dirige a mim. Ela nunca se dirigiu nem à cozinheira.
Ela vem a mim e pergunta: "O
que vamos comer hoje?".
Folha - Como era a alimentação do doutor Roberto, que viveu tão bem por longos anos?
Edgard - Era simples. De manhã ele só comia frutas: suco de
lima-da-pérsia, mamão ou laranja cortados em pedaços. Em
dias de jantares para convidados, dona Lily trouxe a tradição: de entrada, caviar e champanhe. Na refeição, vinho Chateau Haut Brion. E, na sobremesa, Château d'Yquem.
Folha - E a rotina?
Edgard - Ele acordava muito
cedo. Às 5h45, eu já tinha que
estar com o café pronto. Tem
uma academia aqui em casa
com 18 aparelhos. Ele sempre
se exercitava, na bicicleta ou na
esteira. Caminhou até os 97
anos, 20 minutos por dia. Então lia o jornal, tomava banho
e, no tempo em que ainda trabalhava, às 7h30 já estava na sede de "O Globo". Depois almoçava na televisão. Voltava para
casa às 19h45, a tempo de ver o
"Jornal Nacional". Eu o vi seguir essa rotina de 84 até 96.
Folha - Ele assistia ao "JN" todos os dias?
Edgard -Todos os dias.
Folha - E fazia comentários?
Edgard - Muitos. Cansei de
vê-lo refazer as matérias, para
não ofender ninguém. Ele sempre recebia [o texto] pelo fax,
ou então o jornalista lia para ele
por telefone. E ele dizia: "Não.
Tira isso aí". A pessoa do outro
lado da linha questionava:
"Mas doutor Roberto, todos os
jornais vão dar assim, nós não
podemos ficar para trás". E ele:
"Você tem que ver que está trabalhando para "O Globo". É um
jornal sério. Você não está vendo que, se eu falar isso de fulano, eu estou ofendendo sicrano? Então, não pode. Fala de leve". A pessoa reclamava: "Mas
doutor Roberto, não tem nada
a ver!". Ele falava: "Lê a matéria. Lê a matéria que lá no final
você vai ver que não estamos
totalmente do lado dele. Mas
não podemos é chegar e logo
no começo da matéria dizer
que fulano fez isso e fez aquilo".
Era uma pessoa muito séria.
Era extraordinário. Foi um pai
para mim. Eu já sinto muito a
falta dele.
Texto Anterior: "Meu sonho é trabalhar com Walter Salles" Próximo Texto: Show: Concurso nos EUA quer produzir ídolo country gay Índice
|