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"Política Externa da Primeira República" foca a relação Brasil-Argentina e a
hegemonia dos EUA entre 1902-18
O jogo de xadrez de um barão pragmático
Hélgio Trindade
especial para a Folha
O livro "Política Externa da Primeira República - Os Anos de
Apogeu: de 1902 a 1918" traz
uma boa contribuição ao estudo do período. Talvez a mais evidente seja a documentação original: dos arquivos
do Ministério dos Assuntos Estrangeiros
da França ao Arquivo do Itamaraty, do
barão de Rio Branco, jornais, brasileiros
e argentinos, anais, relatórios e vasta bibliografia.
Partindo da observação de Aron de
que as alterações dos regimes políticos
repercutem na política externa, o autor
passa a traçar o novo quadro propiciado
pelo estabelecimento da república.
Trata-se de analisar os resultados externos da "política dos governadores"
que restabeleceu a ordem interna. Nesse
quadro sobressai a segunda qualidade
do livro: o estudo da obra e da personalidade do barão do Rio Branco, que, por
dez anos, ficou à frente do Ministério de
Relações Exteriores. Respeitado nacionalmente, figura típica da elite imperial,
o barão será o grande homem da política
externa brasileira. Cabe então uma primeira pergunta: será que a mudança de
regime acarretou grandes alterações na
prática política brasileira? O próprio autor reconhece, os dois homens da "estabilidade" -Rio Branco e Rodrigues Alves- são entes imperiais.
E a política levada a cabo pelo barão segue, contraditoriamente, a máxima do
império: o Brasil é uma nação diferente
das demais irmãs latino-americanas onde impera o caos, seu grande território
foi preservado pela precoce opção da elite, com uma população maior, pode almejar um lugar entre os grandes.
Nesse sentido, o barão é pragmático.
Conhecedor profundo da política européia, intui a passagem, na América Latina, da hegemonia britânica para a órbita
dos interesses norte-americanos e busca
construir uma lógica baseada na complementaridade de interesses: os
EUA, sendo os maiores compradores do
café brasileiro, o Brasil facilita a entrada
dos manufaturados americanos. Cria-se,
também, a prática das "reuniões continentais" e dos projetos de integração de
mercados. Discussões políticas que terminam ficando no papel, mas que produzem o diálogo, de ambas as partes.
O que prevalece, entretanto, é uma lógica comercial, pois o barão trabalha como num jogo de xadrez, articulando a
nova hegemonia comercial americana, a
ascensão do imperialismo alemão, as velhas relações com a Inglaterra e os vínculos culturais com a França. Nesse quadro
ele move os interesses brasileiros (principalmente os dos cafeicultores), aproximando-se dos EUA, mas não rompendo
com a antiga tradição européia.
Reduto da civilização
O terceiro
ponto, que traz uma face instigante, refere-se às relações Brasil-Argentina. Maior
exportadora mundial de grãos (em 1909
supera os EUA), a Argentina se considerava o reduto da civilização na América
Latina. A análise dos altos e baixos dessa
relação nos coloca diante de um problema atual: a virtualidade ou não de entidades como o Mercosul, que repousa sobre essa matriz conflitiva. Ainda aqui,
ressalte-se a habilidade política do barão,
que, buscando uma aliança, aproxima-se
também do Chile -a tríplice "entente"- como forma de dissuadir imperialismos e mostrar que o Cone Sul da América tinha alguma articulação política.
Passados cem anos, os problemas parecem retornar. Os anos posteriores a
1912, mesmo a eclosão da Primeira Guerra, não tiveram o impacto sobre nossa
política externa como a década "riobranquina". Algumas perguntas, entretanto,
ficam sem resposta: Por que o projeto da
estrada de ferro panamericana não saiu
do papel? Por que, mesmo depois de Rio
Branco, o Brasil permaneceu de costas
para a América Latina? De qualquer forma, trata-se de uma leitura que, longe de
tratar de pontos remotos na nossa história, nos remete para questões de grande
atualidade política.
Hélgio Trindade é professor titular de ciência política na Universidade Federal do Ro Grande do Sul e autor de "Universidade em Ruínas" (ed. Vozes).
Política Externa da Primeira República
506 págs., R$ 45,00
de Clodoaldo Bueno. Ed. Paz e Terra (r. do Triunfo,
177, CEP 01212-010, SP, tel. 0/ xx/11/ 3337-8399).
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