São Paulo, domingo, 28 de outubro de 2001

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Pais já dão capim para os filhos

DA REPORTAGEM LOCAL

Pais estão dando capim para seus filhos porque não dispõem de nenhum outro alimento. É o que consta de informes de entidades filantrópicas que atuam no Afeganistão, recebidos nos últimos dias em Londres.
O fato foi relatado à Folha pelo antropólogo inglês Werner Nijman, 44, que viveu seis anos na região e é hoje um consultor de ONGs (organizações não-governamentais) que atuam na Ásia Central. Ele foi o criador de uma delas, que trabalha com crianças deficientes físicas em campos de refugiados afegãos.
Segundo Nijman, nos últimos 20 anos, a cada quatro minutos morreu um afegão em razão da guerra ou de moléstias derivadas ou agravadas pela desnutrição. Foram ao todo 2,2 milhões de pessoas que, em condições normais, estariam ainda vivas.
Essa cadência tende a se acentuar dramaticamente caso norte-americanos e britânicos não interrompam os bombardeios e permitam a chegada às regiões mais flageladas de comboios com auxílio alimentar.
Se isso não acontecer, Nijman diz acreditar ser perfeitamente plausível a previsão de que 7,5 milhões de pessoas estejam passando fome nas próximas semanas.
As ONGs que não conseguem transportar com segurança a comida para dentro do país já a tem estocada em países vizinhos -Tadjiquistão, Paquistão ou Irã.
Ele afirma ainda que é inviável conter a fome com alimentos despejados por aviões, seja por iniciativa das ONGs, seja por distribuição já efetuada em larga escala pelos Estados Unidos.
O antropólogo diz que a comida assim lançada é recolhida por homens armados, que em seguida a colocam à venda em bazares.
A ração lançada de avião transforma-se em fonte suplementar de conflitos internos e prejudica justamente quem não tem dinheiro para comprar algo que, paradoxalmente, deveria estar sendo distribuído de graça.
Ao norte do Afeganistão, as entidades têm transitado com relativa segurança, servindo-se até de helicópteros para atingir aldeias mais remotas. Mas não conseguem repetir a operação em territórios sob controle do Taleban, ao sul do Afeganistão.
Mesmo os afegãos com estoque de batata, trigo e arroz, base da dieta local, estão, segundo Nijman, sem fontes de proteína animal. A carne nunca foi tão rara, porque, bem antes da intervenção militar americana, quatro anos de secas inutilizaram a pastagem e prejudicaram a alimentação e a sobrevivência dos rebanhos.
Com a seca, reduziu-se em um quinto -embora não haja dados precisos- o número de cabeças de caprinos, que há 15 anos totalizavam 22 milhões. (JBN)




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