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AS RAZÕES
Pesquisador dos EUA diz que grupo no poder nada fez para consertar os estragos da guerra
Taleban não tem política para reduzir a tragédia
JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL
Além da seca e das condições
climáticas desfavoráveis, a fome
no Afeganistão se deve à destruição, durante 22 anos de guerra, de
toda uma rede de infra-estrutura
de irrigação e de transportes. O
Taleban, há cinco anos no poder,
não tem nenhum esboço de políticas públicas capazes de consertar o que foi destruído.
É o diagnóstico de Thomas
Gouttierre, 61, diretor do Centro
Afeganistão da Universidade de
Nebraska, nos Estados Unidos, e
um dos mais citados acadêmicos
norte-americanos em questões
contemporâneas da Ásia Central.
Em entrevista à Folha, ele diz
que a guerra tem um lado positivo: a situação nutricional é mais
grave do que em 1971, quando teriam morrido cerca de 10 mil afegãos de fome, mas por causa do
conflito o país deve receber mais
recursos externos.
Folha - Qual fator atira mais rapidamente o Afeganistão num quadro de desnutrição crônica: o Taleban ou os bombardeios?
Thomas Gouttierre - O risco de
que muitos morram de fome naquele país tem causas complexas.
Há o quarto ano consecutivo de
seca, que diminuiu as colheitas de
cereais, há agora o inverno que inviabiliza o tráfego dos comboios,
e há também o Taleban, que não
demonstrou preocupação com o
problema da fome, não tendo
montado nenhuma estrutura oficial que pudesse permitir o auxílio às populações mais atingidas.
Folha - E a guerra?
Gouttierre - Os bombardeios obviamente atrapalham o funcionamento de qualquer rede de assistência existente. Mas lembremos
que já havia guerra no Afeganistão bem antes dos bombardeios
agora liderados pelos norte-americanos. Há, assim, a exacerbação
de um dado preexistente.
Mas, ao mesmo tempo, o caso
afegão ganhou notoriedade, e
com isso também cresce -embora em níveis ainda insuficientes- o volume de alimentos que
é doado. É preciso direcionar o
auxílio aos campos de refugiados,
dentro e fora do Afeganistão.
Folha - O fato de o Taleban ter expulsado organizações humanitárias não dificulta essa tarefa?
Gouttierre - Com certeza. Eram
entidades credenciadas pelas Nações Unidas e tinham um objetivo
filantrópico muito preciso.
Folha - Não há um paradoxo no
fato de o Taleban ter erradicado os
campos de cultivo de papoula para
a produção do ópio, e esses mesmos campos não estarem produzindo mais comida?
Gouttierre - Há a crença de que o
cultivo da papoula ocorresse no
Afeganistão como fator de ajuste
do mercado de alimentos, servindo-se de terras que, se reservadas
a cereais, criariam um superávit
na produção. Mas esses campos
agora estão sem cultura nenhuma. É difícil avaliar.
Folha - Quais são os pontos de
mais fácil avaliação?
Gouttierre - Um primeiro exemplo: quando a história do Afeganistão registra tragédias graves
como a fome, ao lado da quebra
na produção de alimentos há as
deficiências de infra-estrutura. O
Taleban nada fez para reconstruir
a malha viária ou canais de irrigação nas áreas sob seu controle. O
Taleban não tem políticas públicas. O pouco que tem sido feito no
país é custeado com dinheiro de
entidades estrangeiras.
Folha - A queda do Taleban seria
então a solução?
Gouttierre - Alguns acreditam
que o atual governo tenha a vantagem de conhecer os agentes da
ONU e abrir o caminho para o
êxito das tarefas humanitárias.
Folha - O sr. tem informações sobre quantos morreram de fome no
Afeganistão em 1971?
Gouttierre - A informação que
tenho é de que foram mais de 10
mil.
Folha - A seu ver há risco de ultrapassar agora essa cifra?
Gouttierre - A situação é agora
mais grave, mas, ao mesmo tempo, a atenção que o Afeganistão
desperta em todo o mundo é bem
maior. Os Estados Unidos, a
União Européia e a ONU tendem
a destinar mais recursos. Esse é o
lado positivo da guerra.
Folha - Qual a relação entre bombas e desnutrição?
Gouttierre - As pessoas não estão morrendo por causa das bombas. Os afegãos estão "votando
com os pés", abandonando as regiões em que viviam e nas quais
não encontravam comida suficiente. Eles estão emigrando na
direção das fontes de distribuição
de alimentos, dos campos de refugiados em que atuam as mesmas
entidades de segurança alimentar
que o Taleban obrigou a deixar o
país. Repito que, a longo prazo, o
engajamento norte-americano
servirá para trazer vantagens
substanciais ao Afeganistão.
Folha - Qual a sua impressão sobre o Afeganistão de hoje?
Gouttierre - É um país que conheço bem. Estive por lá pela última vez em 1999. Fiquei chocado.
Cabul é uma cidade sem auto-estima. As casas não são mais pintadas, os vidros quebrados não são
mais substituídos. As pessoas demonstram terem perdido o sabor
de viver.
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