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ESTRATÉGIA
País enfrenta miríade de variáveis envolvidas no processo deflagrado pelo conflito na região
Ásia pode virar atoleiro para EUA
IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A LONDRES
Os EUA, com seu ataque retaliatório a alvos no Afeganistão e envolvimento mais profundo na
Ásia Central, estão correndo o risco de entrar em um atoleiro estratégico ainda mais complexo do
que o enfrentado no Vietnã.
A explicação para isso, que cruza opiniões de diversos especialistas na região ouvidos pela Folha, é
a miríade de nuances e atores regionais envolvidos no processo
-contra um bem mais simples,
ainda que potencialmente apocalíptico, embate entre as superpotências durante a Guerra Fria.
No centro do tabuleiro, Afeganistão e seus vizinhos -as ex-repúblicas soviéticas. Entrando no
jogo, os EUA. Já em campo, forças
tradicionais na região, como Rússia, Irã e Turquia. Por fim, o perigoso elemento Índia-Paquistão.
Em 1992, à luz da dissolução da
União Soviética, os EUA passaram a rever suas prioridades estratégicas. A Guerra do Golfo
(1991) mostrou que o fornecimento do petróleo ao mundo ocidental podia, sim, ser ameaçado.
Um batalhão de especialistas,
políticos e executivos de empresas de petróleo passou a fazer
lobby em favor de um maior investimento na região da Ásia Central -o novo Eldorado, a fonte de
energia não-renovável alternativa
à instável região do Golfo.
A política virou cânone e gerou
iniciativas de EUA e União Européia para a região -o que, segundo analistas, é uma reedição do
Grande Jogo, a disputa estratégica
entre a Rússia czarista e o Império
Britânico pela supremacia na região durante o século 19.
A disputa daquela época incluiu
lances militares, como guerras
onde hoje é o Afeganistão, mas de
forma geral envolveu mais espionagem comercial e política.
Como em todo cânone, apareceram mitos associados ao novo
Grande Jogo. Primeiro, o potencial energético da região. Em 1997,
os EUA proclamavam haver mais
de 200 bilhões de barris de petróleo na bacia do mar Cáspio, um
terço das reservas conhecidas do
Oriente Médio.
Segundo os especialistas Amy
Jaffe (Rice University) e Robert
Manning (Conselho de Relações
Exteriores, Washington), as reservas são significativas, mas só
há provas de algo entre 15 bilhões
e 30 bilhões de barris, ou menos
de 3% total mundial.
Mesmo que as reservas cheguem a 140 bilhões de barris, argumentam, elas são de difícil
acesso e de transporte caríssimo.
O segundo mito diz respeito a
uma equação que não deu certo.
Washington acreditou que seu
envolvimento fosse estimular o
florescimento de democracias
pró-EUA na região -onde seria
seguro passar seus dutos. Há de
tudo na Ásia Central, menos democracia e regimes estáveis.
A ironia é que os americanos fizeram vista grossa para a consolidação do poder do seu atual alvo,
o Taleban, na década de 90 -afinal de contas, era um regime com
promessa de estabilidade.
Para armar o ataque, os EUA se
voltaram para a potência regional
Paquistão e para a principal ex-república soviética da área, o Uzbequistão. No primeiro caso, os riscos são grandes. Apoiando o regime militar de Pervez Musharraf,
os EUA equilibraram a disputa de
Islamabad com a Índia sobre a
Caxemira -que já levou o país a
duas guerras e quase a uma terceira em 1999, quando ambos já possuíam armas nucleares.
Há o risco de que os indianos se
sintam ameaçados, fortalecendo
os laços com a Rússia e reforçando sua posição militar. O perigo
de um confronto dispensa comentários.
No front interno, Musharaff parece ter evitado o risco imediato
de um golpe fundamentalista.
Mas terá de fazer eleições em
2002, conforme mandou a Justiça.
Se falhar, os EUA verão seu novo
aliado em situação vulnerável e,
pior, com bombas atômicas podendo cair em mãos de "primos"
do Taleban.
O caso uzbeque também é complicado. Segundo a imprensa
moscovita, o presidente Islam Karimov cobrou US$ 8 milhões para
deixar os EUA usarem a base de
Termez. Mas não se trata de uma
negociata simples. Os Uzbequistão vêm tentando há anos se distanciar dos antigos chefes de
Moscou. Só que a insurreição muçulmana radical em seu território
quase matou Karimov em atentados, e ele recorreu à Rússia.
""As nações centro-asiáticas sabem que é a Rússia, e não os EUA
ou a Otan, que podem ajudar efetivamente contra forças radicais
islâmicas internas ou externas",
diz Sergey Golunov, do Centro de
Estudos Regionais da Universidade de Volgogrado (Rússia).
A boa vontade de Moscou, até
agora, é total. Há tropas americanas também no Tadjiquistão, onde 25 mil soldados russos estão
estacionados. ""A ajuda indireta
russa também estreita a cooperação com o Ocidente e enfraquece
a crítica às ações na Tchetchênia",
afirma Golunov.
Mas o feitiço pode voltar-se
contra o feiticeiro. Para Dannreuther, ""a presença física dos EUA
pode alimentar sentimentos antiamericanos" entre os muçulmanos uzbeques. Uma eventual revolta islâmica no Uzbequistão fomentaria algo semelhante no
Tadjiquistão, e o caminho para a
confusão estaria aberto.
O Cazaquistão, por ora, está livre de pressões islâmicas. Ainda é
muito dependente de Moscou, e
dificilmente irá se alinhar totalmente aos EUA.
Há a questão iraniana. O país,
de maioria xiita, é contra o fundamentalismo sunita do Taleban.
Logo, joga um xadrez dissimulado de apoio não-declarado à ação
do arquiinimigo, os EUA. ""O Irã
ainda não jogou as cartas que tem
na região, e essa ambiguidade pode ser prejudicial no futuro", analisa o iraniano Nader Entessar,
professor de ciência política do
Spring Hill College (EUA).
Já a Turquia, que tem estreitos
laços com o Turcomenistão e minorias de língua turca em toda a
região, também lançou ofertas à
Ásia Central nos anos 90. Único
membro de maioria islâmica da
Otan, já ofereceu tropas para
eventuais operações antiterror.
Com tantas variáveis e riscos, os
EUA terão de descobrir meios de
não se meter em confusão com jogadas geopolíticas de ocasião.
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