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Teatro bursleco com floreio feminista

Mulheres redefinem suas imagens com lantejoulas

Por DOREEN CARVAJAL

PARIS - O teatro do século 19 Cigale, no bairro boêmio parisiense de Pigalle, estava lotado numa noite recente. Sobre o palco, americanas voluptuosas celebravam o feminino em todos seus tamanhos, rebolados e formas.

"Nada mal para quem tem 48 anos", declarou Suzanne Ramsey, também conhecida como Kitten on the Keys. Ela apontou para seus "pasties" (adesivos para tapar os bicos dos seios), que ela própria faz, enfeitados com chaveiros da Torre Eiffel e outros suvenires.

Aqui no berço da liberdade, igualdade e cabaré, mais de metade do público que aplaudia e berrava no La Cigale era formado por mulheres -testemunho de uma nova atitude que inspirou o espetáculo itinerante americano "Cabaret New Burlesque", além de festivais nos Estados Unidos, Suécia, França, Holanda e Alemanha. O movimento de strip vem sendo divulgado como antídoto à crise e como declaração feminista.

"Quando apresento um striptease burlesco e exibo meu corpo, não é para um homem, para um cliente, para meu marido", disse a francesa Juliette Dragon, organizadora do festival Paris Burlesque, que aconteceu em outubro. "É uma maneira de assumir controle do meu corpo. Para mim, isso é um ato feminista."

O "Cabaret New Burlesque", que será apresentado também na Eslovênia, foi mostrado num documentário francês de 2010, "Tournée", que ajudou a aumentar a popularidade do gênero.

A versão atualizada do burlesco, que no passado era visto como o gênero teatral menos nobre, mistura arte cênica, dança moderna e sátira política. Atrai artistas com diplomas universitários em arte, história colonial, dança e estudos de gênero.

Elas dizem que o revival do gênero é em parte uma revolta contra as imagens culturais de mulheres magras com seus corpos realçados por silicone, botox e cirurgias plásticas.

As artistas traçam uma distinção entre seus shows e o que é feito em clubes de strip. "Somos nós, mulheres, que expomos nossas ideias e nosso ponto de vista a uma plateia muito mista", explicou Linda Marraccini, que dança com a trupe americana sob o nome artístico de Dirty Martini. "Fazer strip é um serviço. Nós não atuamos no setor de prestação de serviços."

O revival do burlesco data de meados dos anos 1990, quando mulheres americanas se inspiraram em vídeos de danças dos anos 1940 e 1950, além de roupas vintage. Em muitos casos, elas receberam orientação de homens que se apresentavam em clubes de drag queens e travestis.

Na Europa, os festivais de burlesco crescem há cinco anos. Escolas itinerantes de burlesco oferecem aulas em que se ensina a fabricar "pasties" e dançar girando borlas penduradas destes.

Desde seus primórdios, no século 19, o teatro burlesco foi denunciado como ameaça à moralidade. O primeiro espetáculo de showgirls aconteceu em Paris, com uma trupe chamada British Blondes (Loiras Britânicas). Elas misturavam música, comédia, sátira e sexualidade ousada numa fusão que agradava aos homens da classe trabalhadora, mas era organizada por mulheres.

Essa ousadia é parte do que atrai Louise Frisk, que se apresenta com a trupe Blackbirds ("a trupe de burlesco fogoso do gelado Norte"), de Estocolmo. "Essa é uma das coisas mais importantes que fiz em minha vida", ela disse. "Venho do movimento feminista radical. Ser uma acadêmica branca, de classe média, especializada em estudos de gênero, pode ser problemático. Sinto que, com o burlesco, eu abri minha cabeça e hoje tenho uma compreensão muito maior das pessoas."

Em Londres, os shows de burlesco geralmente atraem mais homens heterossexuais; na Suécia, o público é formado principalmente por mulheres, muitas delas lésbicas. Em Paris, os shows atraem um público misto.

As próprias apresentações vêm evoluindo. O segundo Festival de Burlesco de Amsterdã, em novembro passado, foi dividido por estilos: burlesco clássico, circense e shows de variedades. As categorias do festival incluem glamour de pin-up e subversivo militante.

Hedvig Marano, que se apresenta como Duchess Dubois, fundou sua escola em Estocolmo em 2006, a Burleskakademien. As vagas se esgotaram em pouco tempo.

"O burlesco ensina as mulheres a jogar para o alto anos de lavagem cerebral e sentir-se em casa em seus corpos, sem vergonha ou desconforto", disse ela.

"É incrivelmente libertador deixar seu corpo ser exposto -sob os holofotes, ainda por cima-, amá-lo do jeito que ele é e orgulhar-se dele em frente a outros."

Nem todos reagem igualmente bem. Algumas funcionárias de uma estação de rádio certa vez se recusaram a ficar no mesmo estúdio que Juliette Dragon.

A Escola Central de Oratória e Drama, em Londres, organizou um "simpósio de neoburlesco feminista", devido ao receio de que muitas artistas de burlesco se concentrem mais em fazer strip que em usar seus corpos para fazer declarações satíricas.

"Quando comecei, meus pais passaram uns três meses sem falar comigo", recordou a californiana Evie Lovelle, que se apresenta com o "Cabaret New Burlesque". Ela contou que foi criada frequentando uma igreja rígida.

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