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Ministra italiana é alvo de racismo

Por ELISABETTA POVOLEDO

ROMA - Quando Cécile Kyenge aceitou o cargo de ministra da Integração no governo centro-esquerdista do primeiro-ministro Enrico Letta, ela sabia que, sendo a primeira pessoa negra a assumir um cargo nacional, estaria desbravando um novo terreno. O que talvez não esperasse era a enxurrada de insultos raciais que acompanharam suas primeiras semanas no ministério.

Ameaças de morte foram colocadas no Facebook, e, em junho, uma vereadora de Pádua defendeu que Kyenge fosse estuprada para que "entendesse" como as vítimas de estupro se sentem. A vereadora Dolores Valandro, que fez esse comentário ao falar do caso de uma mulher que havia sido estuprada por um africano, foi posteriormente expulsa da Liga Norte, partido anti-imigração.

As agressões verbais foram tão preocupantes que Kyenge, 48, que nasceu na República Democrática do Congo e se mudou para a Itália aos 19 anos, agora viaja com segurança reforçada. Ela por enquanto não respondeu diretamente aos seus detratores, preferindo elogiar os muitos que se manifestaram em seu apoio, salientando a necessidade de mais civilidade entre os italianos.

"Cabe às instituições e à população dar uma resposta a esses ataques", disse Kyenge. "Não respondo porque o estímulo para a discussão emerge disso. Você vê o melhor da Itália quando há uma resposta no domínio público."

Se a discussão tiver sido o único objetivo, a nomeação de Kyenge já foi um sucesso. Ela iniciou um debate nacional sobre a tensão entre o caráter cada vez mais multicultural da sociedade italiana e a corrente racista que está cada vez mais difícil de ser ignorada pelos italianos.

O discurso de ódio dirigido contra Kyenge se limita majoritariamente a movimentos políticos xenófobos, como o ultradireitista Forza Nuova e a Liga Norte. Mas especialistas dizem que formas mais sutis e insidiosas de racismo estão presentes na Itália, que se esforça para chegar a termos com sua acelerada mutação demográfica. Em 2011, os imigrantes compunham 7,5% da população italiana, mais do que o dobro do percentual de uma década antes.

Esse afluxo se combinou à prolongada crise econômica italiana de uma forma que frequentemente ofusca ou confunde os motivos do mal-estar. Assim, os imigrantes acabam servindo como bodes expiatórios para as elevadas cifras de desemprego.

Kyenge nasceu em Katanga, no Congo, entre 38 irmãos e irmãs nascidos de "numerosas mães", segundo ela. Seu pai é um chefe tribal. Ela se mudou para a Itália para estudar medicina, trabalhando como cuidadora para pagar a faculdade. Ela atualmente pratica a oftalmologia em Módena.

Há quase uma década, ela labuta na política de centro-esquerda e desenvolveu uma reputação como inflamada militante dos direitos dos imigrantes. Neste ano, conquistou uma vaga na Câmara dos Deputados, tornando-se apenas a sétima legisladora de origem não europeia. Em abril, foi nomeada para dirigir o Ministério da Integração, responsável por questões imigratórias.

"O fato de haver um novo Ministério da Integração", disse ela, é um sinal de que o governo pretende "adotar uma abordagem diferente" para a imigração, "de receptividade e abertura".

Ela tem usado habilmente seu cargo para promover a conscientização e o diálogo a respeito do tema.

"Ninguém deveria se envergonhar de ser quem é", disse ela numa entrevista. "Nunca me envergonhei da minha situação econômica, da minha posição, da cor da minha pele ou do meu cabelo encaracolado", afirmou. "Sou italiana e sou congolesa."

Até a nomeação de Kyenge, os incidentes mais notórios de racismo haviam acontecido nos campos de futebol italianos, onde coros e insultos xenófobos ainda são comuns. Em maio, uma partida da primeira divisão chegou a ser interrompida por causa de cânticos racistas dirigidos a Mario Balotelli, atacante do Milan nascido na Itália, filho de pais ganenses, e adotado por uma família italiana.

Kyenge defende ativamente a concessão de cidadania a todos os nascidos na Itália, o que rapidamente se tornou uma questão para parlamentares populistas ávidos por explorarem a imigração como fator contribuinte para a crise econômica.

"Já houve uma tentativa de manipular a questão, erguendo o espectro das hordas de mães do Terceiro Mundo chegando aqui para dar à luz -como se a cidadania automaticamente desse acesso a um futuro radiante", disse Fabio Marcelli, do Conselho Nacional de Pesquisa.

O governo recentemente aprovou uma medida que simplifica os procedimentos para que pessoas que nasceram na Itália de pais estrangeiros obtenham a cidadania quando atingirem a maioridade. Ainda há um longo caminho a percorrer, segundo Kyenge.

A Itália, disse ela, já é "uma mistura de muitas culturas e pessoas de muitos países diferentes. É hora de refletir sobre a cidadania e de fazer a discussão avançar, pois o país mudou, e meu papel é falar a respeito disso".

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"Nunca me envergonhei da minha situação econômica, da minha posição, da cor da minha pele ou do meu cabelo encaracolado."

CÉCILE KYENGE
Ministra italiana da Integração


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