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São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

Os quebrados e a quebradeira

RIO DE JANEIRO - Não deveria me espantar, mesmo assim, sempre me espanto quando tomo conhecimento dos cálculos feitos pelos economistas do governo -de qualquer governo. É assombroso como eles conseguem chegar a tetos e a pisos sem excluir sequer os quebrados que, na vida comum de todos nós, geralmente são arredondados para cima ou para baixo conforme a circunstância e o troco.
Por exemplo: falaram por aí num teto ou num piso de R$ 1.058. Implico com esses oito reais, que diabo, porque não arredondaram para cima, já que o 58 está mais perto de 60 do que de 50? E como chegaram a tal precisão, que motivará milhões de reais a mais ou menos em circulação?
Uma velha história atribuída a Rubem Braga merece ser contada. Chegando a uma cidade do interior, ele quis conhecer o mulherio local e foi ao bordel que lhe indicaram como o melhor. Prevenido como sempre, escolheu uma profissional, mas quis saber o câmbio em vigor, medida cautelar que qualquer viajante adota quando navega em águas desconhecidas. A moça informou: "38 cruzeiros e 50 centavos".
Rubem se espantou: "Minha filha, isso é conta de telefone, não é michê que se preze!".
Não vem ao caso que a moeda naquela época ainda não era o real. A fração é mais ou menos a mesma, e equivale a diversos cálculos que foram feitos pelo governo e pela oposição para equilibrar as contas da Previdência e contentar ou descontentar os interessados.
Não estou comparando salários dos servidores a michês das profissionais, que também prestam serviço e, de uma forma ou de outra, serão beneficiadas ou prejudicadas pelas medidas em discussão. Creio que não foram ouvidas.
Para falar a verdade, muita gente também não foi ouvida. A impressão é que todos falaram muito e ninguém ouviu. Na base de cálculos que parecem chutados, não se sabe se com tantos quebrados a quebradeira da Previdência ficará maior ou menor.



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