São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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O FIM DE UM DELÍRIO

O anúncio do grupo terrorista basco ETA de que vai observar um cessar-fogo permanente, se efetivado, porá fim a quase quatro décadas de atentados que subtraíram a vida a cerca de 800 pessoas. É uma notícia histórica para os espanhóis.
O ETA (Euskadi Ta Askatasuna, ou "pátria basca e liberdade") era a última organização terrorista ativa da Europa ocidental. A deposição das armas se deve a uma feliz combinação de repressão -importantes lideranças do ETA foram presas nos últimos anos- e abertura para o diálogo político, adotada a partir da eleição do premiê socialista José Luis Rodríguez Zapatero, dois anos atrás.
Outro fator decisivo foram os ataques de 11 de março de 2004 da rede Al Qaeda a estações de trem em Madri. O ignominioso saldo de 191 mortos tornou insuportável para os espanhóis a idéia de que pode haver legitimidade em matar inocentes para tentar atingir desígnios políticos.
Toda ação terrorista, ao transformar civis em instrumento de chantagem, é essencialmente covarde e desumana. No caso do ETA, o caráter pusilânime do terror atingia o paroxismo, pois os propósitos políticos do grupo beiram o delírio. Não encontram amparo nem mesmo nos pretextos normalmente usados por outros grupos terroristas para justificar suas ações, como pobreza, segregação social, perseguição religiosa ou luta contra a repressão.
A Espanha é uma democracia plena. E o País Basco que o ETA pretende "libertar" é uma região bastante rica mesmo para os padrões europeus e que já possui Parlamento e governo autônomos, além de independência fiscal. Mais do que isso, os separatistas não contam nem com a simpatia da própria população. Só uma exígua minoria dos bascos defende a secessão.
Como não poderia deixar de ser, a "causa" do ETA -que nos primórdios ainda se confundia com a resistência armada à ditadura franquista- foi se tornando cada vez mais impopular. Nos últimos anos, as ações do grupo já não se diferenciavam do banditismo comum. O ETA se financiava cobrando de empresários bascos o "imposto revolucionário", isto é, bem ao estilo da Máfia, vendia-lhes "proteção".
Aparentemente, nem os terroristas acreditavam muito no propósito político de suas atividades. Avisavam dos atentados com antecedência, o que dava à polícia tempo para evacuar as áreas que seriam atingidas pelas bombas. Desde 2003, ninguém morreu nesses ataques.
A receita que pode ter acabado com o terrorismo doméstico na Espanha não se reproduz com facilidade. É difícil dosar o quanto de repressão e o quanto de abertura política são necessários. Mas ela não é inédita. Também já foi usada com sucesso para pôr fim à violência do IRA (Exército Republicano Irlandês) na Irlanda do Norte. Espera-se que outros líderes mundiais aprendam com essas experiências.


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