São Paulo, domingo, 26 de março de 2006

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CLÓVIS ROSSI

Quando calar é pecado

SÃO PAULO- Vou, de saída, dar a cara para bater, ao contrariar a sede de sangue que pinga dos e-mails que recebo: confesso uma razoável dificuldade em acreditar que o ministro Antonio Palocci tenha se envolvido em trambiques na Fazenda.
Não é informação privilegiada. É um pouco de intuição, misturada a contatos pessoais em geral muito francos e, por isso mesmo, tempestuosos por vezes.
Não posso dizer o mesmo sobre sua gestão em Ribeirão Preto. Ali, parece ter-se repetido o padrão de outras prefeituras petistas originalmente denunciado por Paulo de Tarso Venceslau, denúncias a que poucos deram atenção (e eu, admito, fui um dos muitos distraídos).
A presunção de inocência do ministro não o exime, no entanto, de prestar contas ao público sobre suas relações com a versão petista da Casa da Dinda, a mansão de Brasília em que ex-auxiliares seus se reuniam para o que desse e viesse.
Palocci tem até alguma razão ao defender o lado pessoal. Mas, exceto um ou outro tarado, ninguém está preocupado em saber se o ministro teve ou não contato com mulheres na nova Casa da Dinda.
O que interessa é saber se mentiu ao dizer que nunca esteve lá ou, pior, se esteve lá para participar dos negócios de seus antigos amigos.
Prestação de contas é obrigação primária, elementar, básica, de qualquer homem público. Perdão pela tremenda obviedade, mas, no Brasil, o óbvio às vezes vira revelação.
Mais: homem público realmente digno desse nome se revolta quando há o uso da máquina do Estado para benefício de seus ocupantes, como está acontecendo no caso do caseiro Francenildo. Mesmo que o benefício seja para ele próprio ou para seu partido. Silenciar é dar a entender que acredita que o Estado é sua propriedade particular.
Não adianta, pois, o ministro fugir, fingindo que tudo não passa de uma fofoca pessoal. O que está em jogo é a noção de serviço público que Palocci tem (ou não tem). Calar permite crer que não a tem.


@ - crossi@uol.com.br


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