O que é preciso para fabricar o carro mais barato do
mundo?
Para a montadora indiana Tata Motors, que lançará
seu carro ultrabarato amanhã, a pergunta mais relevante
era: "O que se pode tirar do carro?".
A empresa
vem mantendo segredo em torno do novo veículo, mas
entrevistas com fornecedores e envolvidos na produção
revelaram alguns dos segredos que possibilitaram redução
de custos -entre eles, uma haste de direção
oca, um porta-malas com espaço para uma pasta executiva
e um motor na traseira do veículo que não é
muito mais potente que o de um cortador de grama.
O lado positivo
de tudo isso é um carro previsto para chegar ao varejo
por US$ 2.500. A empresa quer oferecer transporte motorizado
sobre quatro rodas, pela primeira vez, a pessoas que estão
acostumadas a deslocar-se sobre duas. O mercado inclui centenas
de milhões de indianos e outros do mundo em desenvolvimento.
Mesmo assim,
o "carro do povo" (é um apelido, já
que a Tata também está fazendo segredo do nome)
pode afetar os carros em todo o mundo, já que integra
tendência ampla entre montadoras: produzir automóveis
menos caros. "Basicamente, estamos falando em jogar fora
tudo o que a indústria automobilística pensou
sobre estruturas de custo, pegar uma folha em branco e indagar
"o que é possível fazer?'", disse
Daryl T. Rolley, diretor da Ariba, que ajuda a fornecer componentes
a Tata, BMW, Toyota e outras montadoras. "Em cinco a
dez anos, a indústria será virada de ponta-cabeça."
A aliança
franco-japonesa Renault-Nissan e a joint venture indiano-japonesa
Maruti Suzuki estão tentando descobrir como produzir
automóveis ultrabaratos para a Índia. Alguns
analistas prevêem que, assim como os japoneses popularizaram
as técnicas do "kanban" ("just in time")
e o "kaizen" (aperfeiçoamento contínuo),
os indianos podem exportar uma "engenharia gandhiana",
com irreverência pelos modos convencionais de pensar
e frugalidade pela escassez de recursos. Ou, como o executivo
automobilístico indiano Ashok K. Taneja descreve: "Por
que investir ouro quando preciso de prata?".
Algumas
dos poucos que já viram o carro da Tata descrevem um
veículo minúsculo, simpático, de quatro
portas, lugar para cinco pessoas, porta-malas e formato de
bala de goma, menor na frente e mais largo na traseira, para
reduzir a resistência ao vento e permitir o uso de motor
mais barato.
A redução
de custos foi comandada por engenheiros da Tata. O modelo
não possui rádio, direção hidráulica,
vidros elétricos ou ar-condicionado, e tem um limpador
de pára-brisas em lugar de dois.
Para economizar
US$ 10, os engenheiros da Tata redesenharam a suspensão
de modo a eliminar os niveladores que ajustam o ângulo
do raio de luz do farol, dependendo de como o veículo
está carregado.
A Tata optou por mancais de roda que sejam fortes o suficiente
para levar o carro a andar a até 70 km/h, mas que,
a velocidades superiores, vão se desgastar rapidamente,
reduzindo o tempo de vida do automóvel mas não
pondo em risco a segurança dos consumidores, segundo
Taneja. A velocidade máxima deve ser 120 km/h.
Peso menor
A redução do peso fez cair os custos de materiais
e permitiu que a montadora usasse um motor mais barato. Pessoas
familiarizadas com o carro descrevem um motor traseiro de
US$ 700 fabricado pela alemã Bosch, com potência
de cerca de 30 a 35 cavalos. O Honda Fit, um dos menores carros
comercializados nos EUA, tem potência de 109 cavalos.
As montadoras tradicionalmente cultivam relacionamentos de
longo prazo com seus fornecedores, mas as empresas vêm
pouco a pouco aderindo à terceirização
eletrônica, recorrendo a leilões na internet
que obrigam os fornecedores a competir pelos negócios.
Mas, segundo Rolley, mesmo as montadoras mais eficientes não
compram mais que 10% a 15% de seus componentes eletronicamente.
No caso da Tata, são de 30% a 40%.
Os críticos do carro da Tata perguntam como um carro
que custa milhares de dólares menos que os preços
normais pode obedecer às normas ambientais e de segurança.
A Tata diz que o automóvel vai obedecer a todas as
normas vigentes na Índia.
É possível que o carro seja menos ecológico
do que a montadora afirma. Michael Walsh, consultor de poluição
e ex-regulador da Agência de Proteção
Ambiental dos EUA, disse que é provável que
um carro que custa tão pouco não possua a complexa
tecnologia necessária para manter seu nível
inicial de emissões de gases e que, sem essa tecnologia,
em pouco tempo os carros podem passar a produzir quatro a
cinco vezes seu nível inicial de poluição.
Na maioria dos carros americanos, os equipamentos de segurança,
por si sós, já custam mais de US$ 2.500, disse
Adrian Lund, presidente do Instituto de Seguros de Segurança
Rodoviária, em Arlington, Virgínia. As montadoras
estão buscando meios de produzir carros pequenos para
o mercado de classe média na Índia e China.
Depois de a Renault-Nissan ter começado a produzir
carros baratos na Romênia, ela transferiu suas técnicas
de engenharia de baixo custo às suas unidades em que
produz modelos mais caros -por exemplo, tornando as portas
dos veículos mais planas, para que um número
maior deles possa ser colocado nos contêineres de transporte
marítimo, informou uma porta-voz da Nissan, Pauline
Kee.
Segundo Rolley, "isso não vai ser diferente
de quando empresas americanas passaram uma década inteira,
nos anos 1980, estudando quais técnicas de gerenciamento
japonesas elas precisavam adotar".
Anand Giridharadas
The New York Times
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