O cearense Francivaldo Almeida Gomes,
conhecido como Popó, veio para São Paulo de
ônibus, a passagem comprada com dinheiro emprestado.
"Nem sabia quando ia poder pagar o empréstimo."
Trabalhou como operário da construção
civil, faxineiro e zelador, mas só conseguiu prosperar
mesmo quando foi parar num cemitério. "Encontrei
minha vocação."
No final da década de 90, ele soube que estavam abrindo
vagas para coveiro nos cemitérios de São Paulo.
Era a chance de ter um emprego estável. Aprovado, foi
mandado para o cemitério da Consolação.
Começo difícil. "Tanta choradeira fez com
que eu ficasse por um mês sem apetite." De madrugada,
acordava sobressaltado por causa dos pesadelos.
Aos poucos, foi-se interessando pelas histórias de
algumas das personalidades enterradas ali, como o conde Francisco
Matarazzo, Monteiro Lobato, a marquesa de Santos, Tarsila
do Amaral, Mário e Oswald de Andrade.
Observava, atento, às explicações do
então administrador do cemitério, Délio
Freire dos Santos. "Fazia anotações na
minha mão." Nas horas vagas, descia a pé
até a biblioteca Mário de Andrade, onde buscava
mais informações. "Ficava fascinado com
aquelas histórias de vida." Encantavam-no especialmente
as façanhas empresariais e culturais dos Matarazzo,
cujos túmulos se destacavam pela imponência.
Percebendo o interesse daquele coveiro, Délio Freire
ajudou-o a conhecer melhor não só as personalidades
mas também os escultores que faziam trabalhos para
o cemitério da Consolação. Délio
morreu -aliás, foi enterrado ali mesmo -e, na falta
de um guia, chamaram Popó.
Na semana passada, Popó estava conduzindo um grupo
de professores da rede municipal da região central.
Descobriu que entre eles estava o subprefeito da Sé,
Andrea Matarazzo. "Nem sabia o que fazer." No final
da visita, Popó deu-lhe de presente uma pequena pedra
-uma lasca de um túmulo do cemitério Père
Lachaise, onde estão enterrados ícones da história
da França.
Assim como juntou dinheiro para realizar o sonho de vir para
São Paulo, Popó agora sonha em ir a Paris e
conhecer o Père Lachaise. "Vou acabar conseguindo.
Nesta cidade, só sobrevive quem sobra." Até
mesmo num cemitério.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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