O rio Tietê fazia parte da
paisagem diária da menina Rosa Klias, filha de imigrantes
europeus. O bonde que a levava para a escola saía de
Santana, onde morava, cruzava por cima do rio e seguia até
o parque Dom Pedro. Eram os tempos em que ainda se viam nadadores
disputando torneios naquelas águas. Para Rosa, aquele
cenário transformou-se numa de suas grandes decepções.
"Esse é um dos assuntos que sempre me deram raiva."
Essa raiva tem origem no massacre das lembranças infantis
-o bucólico Tietê virou um esgoto- que se soma
à escolha profissional de Rosa Klias, integrante das
primeiras turmas do curso de arquitetura da Universidade de
São Paulo. Ela preferiu seguir a carreira de paisagista,
que lhe trouxe reconhecimento dentro e fora do Brasil. São
dela, por exemplo, os projetos paisagísticos da avenida
Paulista, do vale do Anhangabaú e, mais recentemente,
do parque da Juventude (antigo Carandiru). "Poderíamos
ter feito um dos maiores parques urbanos do mundo", lamenta.
Se não tivessem construído as avenidas marginais
ao longo dos rios Pinheiros e Tietê, São Paulo,
segundo ela, seria muito diferente. "Mataram os rios
e perdemos a chance de ter nossa maior área de lazer."
Na sua visão de paisagista, aquela orla seria a praia
do paulistano.
Daí se mede o que ela sentiu quando foi chamada, neste
ano, para fazer uma intervenção nas margens
do Tietê. "Não acreditei." Logo percebeu
que aquela terra era imprestável e seria inviável
substituí-la. Vislumbrou, então, a possibilidade
de criar um imenso jardim, cultivado em jardineiras ao longo
das duas margens do rio, numa extensão de 50 quilômetros.
O tipo de arbusto que escolheu propicia que as jardineiras
fiquem cobertas de flores das mais diversas cores durante
o ano todo.
São Paulo jamais vai voltar a ter bonde; o parque Dom
Pedro, por mais que seja reformado, nunca mais terá
o charme de antigamente; só em sonho é possível
conceber pessoas nadando de novo nas águas do Tietê.
Rosa imagina, porém, que, quando as flores estiverem
brotando, ela vai ter, nem que seja por instantes, a sensação
da menina dentro do bonde, encantada com a paisagem de um
rio.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, na editoria Cotidiano.
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