A guerra
só acabou quando, após 12 anos, saiu a sentença
de que Cida Araújo tinha o direito de manter o seu
bar
Quando tinha 24 anos, em 1997, Maria Aparecida (Cida) Araújo
decidiu assumir publicamente que era gay e apostar todas as
suas economias em abrir um bar para a clientela de lésbicas.
Duas decisões já difíceis para quem tinha
pouco dinheiro e cuja família, conservadora, veio do
interior. Não sabia que estava entrando numa guerra.
"Foram tantas as dificuldades que pensei diversas vezes
em desistir. Se soubesse o que viria pela frente, nem começaria."
A guerra só acabou definitivamente neste mês,
quando, depois de 12 anos de processo judicial, saiu a sentença
de que Cida Araújo tinha o direito de manter o seu
bar.
Depois de se formar em educação física
e decidir assumir a homossexualidade, Cida Araújo escolheu
o local para abrir o seu negócio -e aí começariam
os problemas. "Fui ingênua, não sabia onde
estava entrando."
O local escolhido para o bar, chamado de Farol Madalena, fica
entre um prédio de classe média e um templo
budista, em frente a um fórum e uma escola pública.
Como o ponto logo ficou badalado, vieram reclamações
do prédio.
As reclamações se concretizavam das mais diversas
formas: ovos, sacos plásticos com água, garrafas
de cândida, além de fiscais e carros da polícia.
"Numa única noite, tive de enfrentar a visita
de cinco carros da polícia. Certa vez, chorei no ombro
de um fiscal."
A pressão acabou afetando sua saúde por causa
do estresse. "Poderíamos fechar a qualquer momento,
apesar de estarmos com a papelada em dia."
Fez os reparos para reduzir o barulho -até porque,
exatamente do seu lado, meditavam os budistas com seus silenciosos
mantras.
O jogo pesado, porém, era do prédio, que decidiu
entrar na Justiça contra o Farol Madalena, alegando
distúrbio da ordem.
Em todos esses anos, o advogado de defesa sustentou que, por
trás da ação, havia preconceito contra
homossexuais.
Neste mês, veio, enfim, a decisão judicial. Só
agora, numa conversa sobre a sentença, Cida Araújo
se deu conta do significado de estar numa rua chamada Jericó,
centro de uma batalha épica descrita na Bíblia,
quando foram derrubadas muralhas.
Nesta semana, o Metrô inaugurou uma exposição
de fotos com os personagens que compõem o espírito
da Vila Madalena -em que foi incluída a imagem de Cida
Araújo em seu bar. "Do meu jeito, derrubei algumas
muralhas", brinca.
PS - Uma seleção das fotos da exposição
na estação Vila Madalena pode ser vista no catracalivre.com.br.
Coluna originalmente publicada na
Folha de S.Paulo, editoria Cotidiano.
|