"É um sonho realizado!".
Essa é a primeira frase que vem à mente do catador
Luiz Henrique da Silva, 37 anos, sobre o lançamento
da primeira indústria de reciclagem do mundo –
acreditam os organizadores – dirigida por catadores.
O espaço, que deverá ficar pronto até
o final deste ano, está instalado no bairro Juliana,
em Belo Horizonte, Minas Gerais. Ali, serão recicladas
mais de 3.600 toneladas de plástico por ano que iriam
para aterros sanitários. A indústria é
fruto de uma iniciativa que começou em 1987, a partir
do apoio da Pastoral de Rua, e que deu início ao processo
de organização social e produtiva dos catadores
do Estado.
Hoje, formou-se uma rede em torno deste trabalho e oito
cooperativas estão envolvidas no processo: Associação
dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável
de Belo Horizonte (ASMARE); Associação dos Catadores
de Papel, Papelão e Materiais Reaproveitáveis
de Betim (ASCAPEL); Associação dos Catadores
Parceiros do meio Ambiente de Igarapé (APAIG); Associação
dos Catadores de Materiais Recicláveis de Nova Lima
(ASCAP); Associação dos Catadores de Materiais
Recicláveis de Pará de Minas (ASCAMP); Associação
dos Catadores de Materiais Recicláveis de Contagem
(ASMAC); Cooperativa de Reciclagem e Trabalho de Itaúna
(COOPERT); Associação dos Catadores do Vale
do Paraopeba, em Brumadinho (ASCAVAP).
Atualmente, as cooperativas já contam com a participação
de 560 catadores, beneficiando 2500 pessoas indiretamente.
Só a ASMARE, por exemplo, recolhe por mês cerca
de 450 toneladas de lixo contendo papel, papelão, revistas,
jornais, latas de alumínio, garrafas PET e plásticos.
José Aparecido Gonçalves, coordenador técnico
do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável,
que oferece toda a coordenação do projeto, explica
que a indústria de reciclagem vem para comprovar a
viabilidade destes programas, com o foco na coleta seletiva
para a inclusão social e também no domínio
da cadeia produtiva.
Desta forma, foi realizada uma ampla pesquisa junto às
oito cooperativas para verificar a capacidade de produção,
o nível de parceria com o poder público, a viabilidade
econômica do projeto e também o impacto do produto
no mercado. De acordo com José, a partir deste levantamento,
foi constatado que o plástico seria o material com
mais aceitação e ascensão comercial.
A partir daí, o grupo conquistou novas parcerias para
a construção da indústria. O espaço
foi concedido pela prefeitura de Belo Horizonte e a infra-estrutura
ficou a cargo da Fundação Banco do Brasil, da
Brasil Previ e do Ministério do Trabalho.
A proposta, segundo o coordenador técnico, é
que os catadores, que já têm essa alternativa
de trabalho e renda, agreguem valor ao material e rompam com
a cadeia de atravessadores que existe hoje. Isso porque, agora,
além de recolherem o material, eles poderão
industrializá-lo também. Com esse novo procedimento,
terá um aumento de 100% a 150% no valor do material
e os catadores poderão até dobrar a sua renda
que, em média, é de um salário mínimo
e meio. O grupo irá ainda capacitar 35 pessoas da comunidade
local que estão desempregadas para atuarem na indústria.
"O lucro será investido em novos projetos sociais.
Cria-se, portanto, uma rede de reinserção social",
comenta José.
Os catadores terão um acompanhamento constante de
uma equipe técnica especializada, mas a tomada de decisões
será feita em conjunto por todos os participantes.
José acredita que, agora, os catadores, que antes eram
discriminados, passam a ser vistos como empreendedores e agentes
ambientais. "Você rompe com um estigma criado em
torno destes profissionais. E isso vem até do poder
público. Hoje, os catadores têm consciência
social, econômica e ambiental", comenta.
O catador Luiz Henrique da Silva, que hoje faz parte também
da diretoria da Asmare, lembra que, apesar de todas as dificuldades
que eles ainda enfrentam, já conseguiram um reconhecimento
da categoria e hoje contam até com o Movimento Nacional
dos Catadores. Essa prática em conjunto e em rede,
em sua opinião, possibilita muito mais conquistas.
Ele mesmo conseguiu dar um novo rumo em sua vida depois que
se engajou pra valer na cooperativa. Aos 15 anos, Luiz já
recolhia materiais recicláveis nas ruas da cidade,
mas acabou se envolvendo com bebidas e, durante muito tempo,
teve sua vida prejudicada. "Em 1993 entrei para a Asmare
e recobrei a minha cidadania. Com os diversos critérios
que temos que seguir na cooperativa, eu parei de me viciar
e voltei a estudar", conta.
Conquistas com dedicação
A cada dia cresce o número de pessoas que
tiram seu sustento e o da família inteira da coleta
e reciclagem de materias. Maria das Graças Massao,
a Dona Geralda, 54 anos, conhece muito bem o que é
uma vida inteira dedicada a esta profissão. Aos oito
anos de idade, Geralda já estava nas ruas da capital
mineira em busca de papel, papelão, plástico,
e o que pudesse recolher. "Minha mãe veio do sertão
com o sonho de ter uma vida melhor. Mas não foi bem
assim. Ela perdeu a sua dignidade porque foi para as ruas.
Começamos a passar a fome", se recorda.
Geralda conta que, diversas vezes, passou dias e noites
inteiras em busca de material, sem voltar para a sua casa,
um pequeno barraco na periferia da cidade. Teve 12 filhos,
sendo nove vivos, e todos, assim como ela, tornaram-se catadores
desde cedo. Há dez anos, seu marido também resolveu
seguir os passos da esposa. "Tudo o que eu consegui foi
catando papel. Dava pra sustentar a minha família,
colocar comida na mesa".
Ela se recorda do preconceito e da indiferença que
teve de enfrentar diversas vezes na rua. "Quando a gente
estava lá separando material, chegava a polícia
e o fiscal tentando tomar o carrinho. Às vezes, chegava
um caminhão pipa e molhava todos nós que estávamos
em baixo do viaduto. Sofri muito. As pessoas menosprezavam
a gente". Mas, para Geralda, a partir de 1990, as coisas
começaram a melhorar, principalmente quando teve início
a formação das cooperativas. Os catadores passaram
a ser valorizados e receber o apoio também do governo.
"Hoje mudou muito. Antes era lixo, agora a gente tem
respeito".
Geralda foi descobrindo, pouco a pouco, o valor da sua profissão.
Para ela, catador é sinônimo de agente ambiental.
Atualmente, Geralda tem uma função diferenciada
na cooperativa. Ela dá palestras, orienta os novos
catadores e recebe os visitantes. Neste ano foi ainda escolhida
pela organização Ashoka Empreendedores Sociais
em um programa de apoio a líderes comunitários
e irá receber uma bolsa-auxílio para suas despesas.
Sobre a nova fábrica, Geralda acredita ser um exemplo
para o mundo. "Agora vamos poder colaborar ainda mais
com o meio ambiente, já que iremos aumentar a produção.
Todo mundo ganha no processo. Acho que a população
devia se conscientizar ainda mais porque é fácil
fazer lixo e não se preocupar com o seu destino. É
uma eternidade poluindo", destaca.
Asmare
Endereço: Av. Contorno, nº 10.555, Barro Preto,
Belo Horizonte/MG
Telefone: (31) 3201-0717
E-mail: asmare@asmare.org.br
DANIELE PRÓSPERO
do site Setor3
|