"Senhora, essa doença
não pega. Deixa a menina me tocar. Eu tinha apenas
um ano a mais que sua filha quando fiquei assim". Essa
foi a resposta de Larissa para a mãe da criança
que sentia curiosidade em conhecer aquela menina em cadeira
de rodas no shopping. Preconceito e Dificuldade são
marcas que rodeiam mundo do portador de deficiência
física, mas projetos esportivos procuram trabalhar
o processo de inclusão social.
A jovem Larissa Blasco Leme, estudante do 1º ano do
Ensino Médio, era uma menina "normal" até
os nove anos. Após um sério acidente de carro,
Larissa sofreu uma lesão medular e ficou paraplégica,
perdeu o pai e a avó. Sua mãe, a dona-de-casa
Benedita Aparecida Leme, conhecida entre os amigos como dona
Santa, fraturou a perna (na região do fêmur)
e o quadril no lado esquerdo. Passou por várias cirurgias
e hoje usa bengala.
Através das idas a AACD (Associação
de Assistência à Criança Deficiente),
dona Santa conheceu o trabalho da Associação
de Desportistas de Deficientes (ADD) e sua filha Larissa ingressou
na primeira turma para praticar basquete.
ADD é uma instituição sem fins lucrativos,
criada em 1996, sob os ideais do professor de educação
física Steven Dubner e da administradora Eliane Miada,
voltada para o desenvolvimento do portador de necessidades
especiais, por meio do esporte e da educação,
resgatando a auto-estima, integração e inclusão
social. Em 2003, a ADD abriu uma filial em Uberlândia
(MG). Mais de 1600 pessoas praticam basquete em cadeiras de
rodas, atletismo e natação.
A estudante participa do Programa Crianças da ADD,
criada em 2001, que impulsiona a prática de esporte
entre crianças portadoras de deficiência, possibilitando
a descoberta de seu potencial ao ultrapassar barreiras além
do aspecto físico como a parte psicológica.
O programa apresenta duas modalidades: basquete em cadeira
de rodas e natação.
"Os resultados são positivos em relação
ao estigma que ainda impera na sociedade como reflexo da falta
de informação. Não arrisco em dizer que
ainda haja exclusão, mas uma inclusão marginalizada,
pois são poucos os locais que agregam todos, sem a
necessidade de reserva de cotas ou de programa de sensibilização",
diz Eliane Lemos, coordenadora do Programa Crianças.
Até dona Santa se animou quando sua filha ingressou
na ADD já que começou a ver que não era
a única que enfrentava aquela situação
e fez novas amizades com as mães dos outros jogadores.
"Minha cabeça mudou. A gente tem dificuldade,
mas agora sei encarar, batalhar e aprendi a conviver com meus
problemas", declara dona Santa.
Já Larissa, somente descobriu o mundo do portador
de deficiência através da associação.
"Me perguntava porque todos ficavam me olhando. Eu sou
a mesma, penso as mesmas coisas que os outros. A diferença
é que estou sentada numa cadeira. Me senti mal quando
algumas amigas da escola viraram a cara. Não sei se
foi por medo ou outra coisa. Mas não fui eu quem saiu
perdendo". Além do basquete aos sábados,
a jovem freqüenta cinemas, shoppings e até uma
casa noturna no bairro da Vila Olímpia. "É
engraçado quando o pessoal está dançando
e nunca espera ver alguém em cadeira de rodas em plena
balada", conta a jovem jogadora.
De acordo com a coordenadora do Programa Criança,
este trabalho é resultado da preocupação
com as novas gerações que contavam apenas com
a reabilitação física e devido à
dificuldade que os deficientes adultos têm em conseguir
emprego. Um dos objetivos é a integração
de uma escola de qualidade e a prática de esporte,
fortalecendo a auto-estima da criança e a aceitação
de si mesma.
Outro jogador do Programa Criança é Wesley
Ventura Campos, 10, que adora conversar e testar seu limite
com os rodopios na cadeira de rodas. Aos cinco anos de vida,
operou e apresentou hidrocefalia. Ele apresenta todos os movimentos,
mas tem uma certa dificuldade para se locomover. "As
pessoas ficam olhando o jeito de caminhar e o fato de usar
fralda, já que tem incontinência urinária.
Ele sentia vergonha dos amigos na escola, mas quando começou
a freqüentar a ADD ficou mais seguro, porque via que
não era só ele que tinha problemas e começou
a encarar de uma forma diferente. Lá (no treino da
ADD) é um clubinho. É uma mãe ligando
para outra combinando de se encontrar no treino", diz
a mãe de Wesley, Cleusa Ventura da Silva.
Wesley conheceu o trabalho da ADD por meio da inspetora
de sua escola que o convidou para fazer parte da equipe de
basquete. Além de aprender basquete, teve que aprender
a manusear a cadeira de rodas. Hoje, o final de semana é
para o basquete. "É muito bom basquete. Todo deficiente
tem que praticar algum esporte. As pessoas que não
tem deficiência se acham melhor que nós, deficientes.
O que não é verdade", afirma Wesley.
O Programa Criança propõe que todos os participantes
tenham bolsas de estudo nas melhores escolas de São
Paulo. Atualmente o programa conta com a parceria dos colégios
Madre Cabrini, Pueri Domus e Teresa Valsee (MG)."Não
basta apenas incluir, há de se realizar a integração
entre as pessoas", conclui a coordenadora da ADD.
A ADD procura profissionalizar a prática esportiva.
O time Magic Hands é considerado um dos melhores de
São Paulo, já que possui jogadores da Seleção
Brasileira de Basquete. A equipe adulta é formada por
15 atletas que treinam quatro vezes por semana. O técnico
Sileno Santos, que acompanha o time há um ano e meio,
fala que os cuidados para treinar um time de portadores de
deficiência física são os mesmos que se
teria com qualquer outra equipe. "É necessário
disciplina, empenho, organização e respeito".
Mas aponta que uma das maiores dificuldades do deficiente
é a locomoção. "É muito difícil
se locomover em São Paulo, assim como no Brasil",
avalia o treinador.
Já os jogadores vêm o basquete como algo essencial
em suas vidas. O pivô Erick Epaminondas Silva, 26, joga
há nove anos e começou em sua cidade natal,
Recife (PE). Iniciou sua carreira na ADDF (Associação
Desportiva de Deficientes Físicos de Pernambuco) e
através de um amigo de São Paulo conheceu o
trabalho da ADD, ingressando para o Magic Hands. "O basquete
é minha profissão. É essencial",
afirma Erick.
Thiago Fernando de Oliveira, 26, que atua como ala ou armador
do time, joga há 12 anos. Antes praticava o basquete
em alguns clubes de Campinas e São José dos
Campos. Em 2002, entrou para o Magic Hands. Para ele, o esporte
é "saúde, integração, tudo".
Os dois jogadores participaram pela primeira vez das Paraolimpíadas
deste ano, em Atenas, na Grécia. Apesar de não
ganharem nenhuma medalha, foi uma grande experiência
e responsabilidade em representar o Brasil.
O Magic Hands participa dos Campeonatos mais importantes
do país, como o Paulista, o Brasileiro, Copa Brasil,
Paraolimpíada de São Paulo, Torneio do Estado
de São Paulo e Campeonato Sul Americano de Clubes e
outros. Além da equipe adulta de basquete, a ADD incentiva
o atleta individual por meio do Projeto Atletas Individuais,
nas seguintes modalidades: atletismo, surf, ciclismo tandem
e escalada.
Inclusão digital e educação
Além de esporte, a ADD tem o ADD Training,
que ensina informática básica para portadores
de deficiência. Todos os alunos que participam do curso
são encaminhados para as empresas patrocinadoras que
desenvolvem o processo de recrutamento e seleção
desses alunos e contratam aqueles que possuem as características
para as vagas existentes. "Durante a aula de Internet,
ele aprende a se cadastrar nos sites das empresas que possuem
vagas assim o aprendizado passa a ter significado e ele compreende
que é possível mudar, desde que se comprometa
com essa mudança", esclarece a coordenadora da
ADD.
As aulas são realizadas na própria sede da
ADD, em São Paulo, quatro vezes por semana. A associação
também promove cursos para complementação
da renda familiar, como artesanato e culinária e outros.
A luta pela inclusão
Segundo censo do Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística (IBGE), realizado em 2000, o Brasil apresenta
1,5 milhões deficientes físicos, enquanto a
Organização Mundial de Saúde (OMS), estima
que 10% da população de países desenvolvidos
tem alguma deficiência. Os países em desenvolvimento
estão entre 12 e 15%. Destes, 20% seriam portadores
de deficiência física.
O Conselho Estadual do Portador de Deficiência orienta
e cobra do governo a política pública ao deficiente,
com base na lei nº 7.853, implantada em 1999, que dá
apoio a pessoas portadoras de deficiência, defendendo
sua integração social. A Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência
institui a viabilização de interesses coletivos
dessas pessoas.
Segundo Ana Leonor, vice-presidente do Conselho Estadual
do Portador de Deficiência do Estado de São Paulo
(CEAPPD), a inclusão social não é resolvida
apenas pelo Conselho, mas pela união das entidades,
Conselho e a própria comunidade. "Hoje, eu sinto
que as pessoas estão mais conscientes. Não querem
mais distância do deficiente. Saiu aquela imagem de
piedade para o portador de deficiência e entra a questão
da inclusão social. A cadeira de rodas não é
mais uma doação, mas faz parte de um atendimento
de saúde", afirma Ana Leonor.
Os municípios também podem estar se mobilizando
para discutir as necessidades locais de cada região
no Conselho Municipal Para Assuntos da Pessoa Portadora de
Deficiência. O objetivo é direcionar projetos
do município por meio da união entre entidades,
portadores de deficiência e a comunidade.
Vera Lúcia Leite de Oliveira, membro da Comissão
do Portador de Deficiência da OAB (Ordem dos Advogados
do Brasil) e presidente do Conselho Municipal de Osasco Para
Assuntos da Pessoa Portadora de Deficiência, pegou poliomielite
(conhecida como paralisia infantil) aos três anos, o
que comprometeu a perna direita que apresenta uma diferença
de 1,5 cm. Utiliza aparelho ortopédico para se locomover.
Pelo fato de ser deficiente física, abraçou
a causa da luta para inclusão do deficiente, cursando
faculdade de Direito.
Filha de metalúrgico e dona-de-casa, Vera foi a primeira
deficiente a comprar o carro com isenção do
IPVA. "Foi uma vitória muito grande a isenção
do IPVA e a própria compra já que o deficiente
tem a relação de dependência para se movimentar.
Veio uma sensação de liberdade", conta
Vera.
Atualmente, Vera vê um aumento em trabalhos sociais
para este público, mas nota uma falta de capacitação
profissional para incluí-lo no mercado de trabalho.
Ela acredita na interação maior entre sindicato,
associação e OAB no processo de inclusão.
No entanto, percebe que muitas empresas ainda têm receio
em contratar um funcionário deficiente, porque os contratantes
pautam-se pela aparência e ficam em dúvida em
relação à competência do candidato.
"O importante é buscar soluções,
não excluir. Não adianta ficar com o currículo
parado. Se a pessoa pode fazer e empenhar a função,
ela poderá ocupar a vaga", afirma Vera Lúcia.
O Fórum Permanente da Região-Oeste é
uma das atividades do Conselho Municipal de Osasco Para Assuntos
da Pessoa Portadora de Deficiência, que visa reunir
os vários pólos interessados em solucionar a
questão do deficiente do município e regiões
vizinhas. Ocorre uma vez por mês e o evento está
aumentando cada vez mais. Na última reunião,
contou com 13 representantes de municípios. São
eles: Osasco, Carapicuíba, Cotia, Barueri, Santana
do Parnaíba, São Lourenço, Juquitiba,
Embu das Artes, Embu-Guaçú, Taboão da
Serra, Varginha Grande Paulista, Pirapora e Jandira. A próxima
reunião ocorrerá dia 30 de outubro.
Dentro dos Conselhos Estaduais, existem várias comissões
com núcleos regionais como é o caso do Fórum
que trabalha as necessidades específicas dos municípios
participantes. "O trabalho dos Conselhos mobiliza a inclusão
em nível estadual e municipal. A partir daí,
os projetos de entidades e do próprio deficiente se
tornarão mais direcionados. É uma interação
positiva em prol de uma causa", defende Vera Lúcia.
ADD
Avenida Jandira, 1111 – Planalto Paulista
São Paulo, SP- CEP 04080-006
Tel. (011) 5052-9944
ADD Uberlândia
Rua Barão de Camargos, 263 – Centro
– Uberlândia – MG
CEP: 384000-160
Tel: (0XX34) 3229-6517/9102-9181/9106-4511/9992-5604 falar
com Tânia Lima, Guiomar Santos Leandro e Adriana Afonso
e-mail: uberlândia@add.org.br;
esporteudi@add.org.br;psicologiaudi@add.org.br
SUSANA SARMIENTO
do site Setor3
|