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Vinte
especialistas apontam sugestões a curto, médio
e longo prazo para melhorar o gravíssimo problema dos
congestionamentos, que crescem a cada dia e indicam que é
hora de agir antes que a cidade entre em colapso
O trânsito de São Paulo – e seu efeito
negativo sobre a qualidade de vida de todos os seus moradores
– pode ser traduzido numa marca recém-atingida
pela cidade: 6 milhões de veículos, quase um
para cada dois habitantes. É de arrepiar. Na última
década, a frota paulistana aumentou 2,5 vezes mais
do que a própria população. Além
de roubarem de cada cidadão horas que jamais serão
recuperadas, os congestionamentos prejudicam a economia e
queimam milhões de litros de combustível. Na
semana passada, a cidade bateu sucessivos recordes de lentidão
pela manhã: 149 quilômetros na segunda-feira,
155 quilômetros na terça e 165 quilômetros
na quinta, o pior do ano. De 2006 para 2007, a velocidade
média dos veículos nas ruas da capital caiu
de 29 para 27 quilômetros por hora. São Paulo
precisa adotar medidas corajosas, polêmicas e muitas
vezes antipáticas para tentar desatar esse nó
que nos sufoca dia a dia. "Apenas no longo prazo haverá
solução para o trânsito", acredita
o prefeito Gilberto Kassab. "Isso não significa
que a prefeitura esteja omissa", afirma, lembrando algumas
medidas que tem adotado, como a instalação de
semáforos inteligentes e a criação de
mais dois corredores de ônibus. Urbanistas e especialistas
em trânsito apontam doze soluções possíveis
que poderiam trazer algum alento imediatamente, a médio
e a longo prazo. Em comum, são ações
que têm um efeito mensurado e foram implementadas em
outras cidades. Ou seja, não há mágica.
Dependem, na maioria dos casos, mais de vontade política
do que de investimentos pesados. Está mais do que na
hora de fazer a cidade andar.
CURTO PRAZO
Tolerância zero contra
os infratores
Não apenas educação e civilidade
garantem respeito às leis de trânsito. No mundo
inteiro, motoristas são disciplinados pela certeza
da punição. É preciso multar mais. Se
eles passam a respeitar as leis, o índice de acidentes
cai e a fluidez do trânsito melhora. Em 2007, a CET
aplicou 4,2 milhões de autuações, 4,5%
a mais que no ano anterior. Nos horários de pico, a
companhia diz que 500 marronzinhos estão nas ruas.
Em julho do ano passado também foi anunciado que o
grupo receberia o reforço de 1100 homens da Polícia
Militar, treinados para monitorar o trânsito e multar
motoristas, desde que parem o carro para adverti-los. Qual
foi mesmo a última vez que você, caro leitor,
foi parado numa blitz e teve de mostrar sua carteira de habilitação
para um policial?
Fiscalizar o rodízio
Desde que foi implantado, em 1997, o rodízio
municipal tira 20% dos carros das ruas nos horários
de pico. Claramente perceptível de início, o
alívio durou pouco. O efeito acabou engolido pelo crescimento
da frota, de 5% ao ano, em média, e pelo desrespeito
de muitos motoristas. Hoje, a fuga do rodízio ainda
é a infração mais anotada pela CET. No
ano passado, houve 1,4 milhão de multas, número
12% menor que as infrações registradas em 2006.
É preciso intensificar urgentemente a fiscalização.
Uma das medidas seria multiplicar na cidade os atuais 36 leitores
automáticos de placas (LAPs), espécie de câmeras
que fotografam a chapa dos que furam a restrição.
Instalados em 2005, os LAPs são responsáveis
hoje por 66% das multas de rodízio. O problema é
que o número de leitores permanece o mesmo há
três anos, a despeito do aumento da frota. Para que
as principais vias do centro expandido fossem fiscalizadas,
teriam de ser alugados mais 110 equipamentos, ao custo de
1,1 milhão de reais por ano.
Aumentar a velocidade nos
corredores de ônibus
Como a cidade não dispõe de sistema
de transporte sobre trilhos à altura de uma metrópole
com mais de 10 milhões de habitantes, os 15 000 ônibus
respondem por 72% das viagens feitas em transporte coletivo.
Não basta ampliar os atuais 154 quilômetros de
faixas exclusivas para 232 quilômetros até 2016,
como pretende a Secretaria Municipal de Transportes, sem agilizar
a operação das já existentes. A velocidade
média dos ônibus nesses corredores, segundo o
Sindicato das Empresas de Transporte Coletivo Urbano de São
Paulo, é de 12 quilômetros por hora, 14% a menos
que há dez anos. Se os trajetos fossem racionalizados
e os veículos particulares que trafegam nos corredores
sempre multados, a velocidade poderia dobrar. Alguns especialistas
defendem a idéia de que os 32 000 táxis que
rodam na cidade também deveriam ser proibidos de circular
nesses corredores. Desde 2005, essa prática é
permitida por lei.
Tirar das ruas os carros em
más condições
Das 700 ocorrências que a CET atendeu diariamente
em 2007, mais da metade referia-se a veículos quebrados.
O bloqueio de uma única faixa na Marginal Tietê
por apenas quinze minutos provoca, em média, 3 quilômetros
de fila. Segundo o Departamento Nacional de Trânsito,
cerca de 73% da frota tem mais de dez anos de idade. A Inspeção
Técnica Veicular, prevista desde 1997, quando foi lançado
o novo Código de Trânsito Brasileiro, seria um
meio de retirar esses carros de circulação.
O início das inspeções veiculares para
verificar o nível de emissão de poluentes, segundo
o prefeito Gilberto Kassab, começará em maio.
"A ação visa a combater a poluição
do ar", afirma Kassab. "Mas vai atingir em cheio
os motoristas infratores e os veículos velhos."
Tirar da rua os carros irregulares
Estima-se que 30% da frota (1,8 milhão de
veículos) esteja na ilegalidade. Significa que não
pagam IPVA, multas e licenciamento. Por isso, rodam despreocupados
com o rodízio. Se fosse autuado, todo esse contingente
irregular deixaria as ruas da cidade.
Criar área de retenção
de motos
Essa é uma idéia incipiente, implantada
no mês passado em Natal, no Rio Grande do Norte. Trata-se
de uma área demarcada com uma faixa no chão
para que os motociclistas se posicionem à frente dos
carros, enquanto aguardam o sinal abrir num cruzamento. As
motos largariam antes, o que evitaria trombadas. Todos os
dias, 25 acidentes envolvendo motos ocorrem nas ruas paulistanas,
com o saldo de um morto.
Incentivar os fretados
Cada ônibus fretado significa quinze automóveis
a menos nas ruas. É preciso estimular o uso desse transporte
no deslocamento casa–trabalho. A prefeitura tem cadastrados
3 723 veículos de 421 empresas de fretamento. Estima-se
que o serviço seja utilizado, diariamente, por 570
000 paulistanos.
MÉDIO PRAZO
Cobrar pedágio nas
regiões centrais
A idéia de afugentar o motorista mexendo com
o seu bolso é uma das que mais dividem os especialistas.
"É uma medida impopular, mas que precisa ser tomada",
afirma o engenheiro de transporte Dario Rais Lopes, ex-secretário
estadual dos Transportes. Estima-se que, se for adotado em
212 quilômetros de vias centrais ao custo de 5 reais
para os motoristas, a arrecadação seria de cerca
de 2 bilhões de reais por ano, o suficiente para construir
20 quilômetros de metrô anualmente. O custo da
implantação do projeto seria de 90 milhões
de reais. O pedágio urbano já foi instituído
em grandes cidades do mundo, caso de Londres, Cingapura, Oslo
e Estocolmo. "Antes de implementarmos aqui, precisaríamos
fazer a lição de casa, oferecendo ao cidadão
boas alternativas de transporte público", acredita
o engenheiro de transporte Jaime Waisman, professor da USP.
Investir em equipamentos
Para controlar o caos no trânsito, a CET tem
276 câmeras espalhadas pela cidade. Desse total, 160
estão com defeito. O plano é iniciar a licitação
para recuperar os equipamentos dentro de três meses.
Outra meta, segundo a companhia, é o investimento em
semáforos eletrônicos. "Compramos 400 novos
equipamentos e já encomendamos mais 1200 unidades",
diz Adauto Martinez Filho, diretor de operações.
LONGO PRAZO
Prosseguir com investimentos
no metrô
O caminho para uma redução efetiva
dos engarrafamentos começa com um investimento consistente
em linhas do metrô. Novidade zero. Alcançar esse
objetivo, porém, é um problema histórico.
São Paulo tem 61,3 quilômetros para atender 3
milhões de passageiros por dia. Até 2012, o
plano é adicionar mais 31 quilômetros em trilhos.
A falta de recursos nesse setor, segundo especialistas, causou
danos graves ao tráfego paulistano. "O metrô
da Cidade do México começou quase na mesma época
e hoje é três vezes maior", compara o engenheiro
Emiliano Affonso Neto, vice-presidente da Associação
dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô. Inaugurado em
1969 (o paulistano surgiu em 1974), o metrô da capital
mexicana se estende por 201 quilômetros e atende 4,2
milhões de pessoas diariamente.
Transformar trens em metrôs
de superfície
Os 119 trens metropolitanos, insuficientes e alguns
deles em estado deplorável, levam e trazem 1,6 milhão
de pessoas diariamente. O metrô, o transporte público
mais bem avaliado pelo paulistano (excelente para 85% dos
usuários), carrega 3 milhões de passageiros
por dia, apesar dos seus escassos 61,3 quilômetros de
trilhos – Paris tem 212 quilômetros e Londres
dispõe de 408. Uma das saídas para suprir tal
deficiência é modernizar, ampliar e integrar
os sistemas de trens, ônibus e metrô existentes.
De acordo com o secretário estadual dos Transportes
Metropolitanos, José Luiz Portella, 98 trens da CPTM
serão reformados e 99 adquiridos. Haverá 36,5
quilômetros de novas linhas de trem, com o mesmo nível
de velocidade e pontualidade apresentado pelo metrô.
Terminar o Rodoanel
A maior resistência ao Rodoanel vem de grupos
conservacionistas, que consideram uma ameaça a áreas
de Mata Atlântica a necessária via expressa de
178 quilômetros que interligará três rodovias
federais e sete estaduais na região metropolitana.
O trecho oeste, o único concluído, ficou pronto
em 2002 e tem 32 quilômetros. Em maio, foram retomadas
as obras da parte sul, orçada em 3,6 bilhões
de reais – os 61,4 quilômetros devem ser entregues
em 2010. "Mas não basta", acredita Laurindo
Martins Junqueira Filho, superintendente de planejamento da
SPTrans. "Precisamos ter anéis viários
na cidade para que cada vez menos alguém que tenha
de ir de um bairro a outro cruze a região central."
Com a palavra, os engarrafados
Mario Rodrigues
"Informar rotas alternativas é uma maneira de
ajudar os motoristas a driblar os congestionamentos. O que
mais me surpreende no dia-a-dia do meu trabalho é observar
que a maior parte dos carros é ocupada por uma pessoa
só."
Juliana Verboonen, 26 anos, repórter da Rádio
SulAmérica Trânsito. Entre 6h e 13h, ela faz
boletins a cada quinze minutos
"Sou obrigado a acordar cada
vez mais cedo para não me atrasar. A situação
está ficando insuportável."
Luiz Felipe Bermudes, 27 anos, auditor. Ultimamente leva uma
hora por dia para ir, de carro, dos Jardins à Pompéia,
onde trabalha.
"Há cinco anos, para ir
do Alto de Pinheiros até a Bela Cintra, na altura da
Avenida Paulista, eu gastava quinze minutos. Agora levo quarenta
minutos para percorrer o mesmo trajeto. Quando o passageiro
fica nervoso no carro, tento um caminho alternativo. Mas nem
sempre dá certo."
Benedito Alves Mendonça, 56 anos, taxista. Há
doze anos trabalha catorze horas por dia nas ruas da cidade
"Da janela do ônibus,
vejo os motoristas de carro parados e não tenho inveja.
A não ser pelo fato de que eles estão sentados
e eu de pé."
Neide Pinto, 31 anos, diarista. Ela mora no Jardim Aurélio,
na Zona Sul, e gasta quatro horas por dia em um ônibus
para ir ao trabalho
OS ESPECIALISTAS CONSULTADOS: Adriano
Murgel Branco, ex-secretário estadual dos Transportes;
Alexandre Zum, consultor de trânsito; Cyro Vidal, presidente
da Comissão sobre Direito de Trânsito da OAB-SP;
Dario Rais Lopes, vice-presidente do Instituto de Engenharia
e ex-secretário estadual dos Transportes; Emiliano
Affonso Neto, vice-presidente da Associação
dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô; Eric Ferreira,
coordenador do Instituto de Energia e Meio Ambiente; Gabriel
Feriancic, consultor de trânsito; Harald Zwetkoff, gerente
de novos negócios da Companhia de Concessões
Rodoviárias; Horácio Figueira, vice-presidente
da Associação Brasileira de Pedestres; Hugo
Pietrantonio, professor da USP; Jaime Waisman, professor da
USP; José Bento Ferreira, professor da Unesp; Laurindo
Martins Junqueira Filho, superintendente de planejamento da
SPTrans; Leonardo Pedro Lorenzo, consultor de projetos viários;
Luiz Célio Bottura, ex-presidente da Dersa; Manoel
da Silva Ferreira Filho, presidente da Associação
dos Engenheiros e Arquitetos de Metrô; Marcos Pimentel
Bicalho, superintendente da Associação Nacional
de Transportes Públicos; Nelson Maluf El-Hage, ex-presidente
da CET; Percival Bisca, professor da Unicamp; e Sergio Ejzenberg,
consultor de trânsito.
Camila Antunes,
Edison Veiga e
Fabio Brisolla
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