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Sistema
implantado em Pernambuco aplica princípios empresariais
na educação. Funciona
Um lugar sob o comando de "gestores", onde os funcionários
são orientados por metas, têm o desempenho avaliado
dia a dia e recebem prêmios em dinheiro pela eficiência
na execução de suas tarefas, pode parecer tudo
– menos uma escola pública brasileira. Pois essas
são algumas das práticas implantadas com sucesso
em um grupo de colégios estaduais de ensino médio
de Pernambuco. A experiência não chama atenção
exatamente por seu tamanho – ao todo, são 33
escolas do gênero, com 15 000 alunos –, mas, sim,
pelo impressionante progresso dos estudantes depois que ingressaram
ali. Como é praxe no local, o avanço foi quantificado.
Os alunos são testados na entrada, e quase metade deles
tirou zero em matemática e notas de 1 a 2 em português.
Isso numa escala de zero a 10. Depois de três anos,
eles cravaram 6 em tais matérias, em uma prova aplicada
pelo Ministério da Educação (MEC). Em
poucas escolas públicas brasileiras a média
foi tão alta – o que despertou o interesse de
especialistas. De saída, há uma característica
que as distingue das demais: elas são administradas
por uma parceria entre o governo e uma associação
formada por empresários da região. Daí
as semelhanças com o mundo corporativo. Resume Thereza
Barreto, diretora de uma das escolas: "Como qualquer
administrador à frente de uma organização,
preciso entregar resultados. Neste caso, alunos bem formados".
O programa, implantado há quatro
anos por iniciativa dos empresários e que agora colhe
os resultados, não é o primeiro no país
a aplicar esse tipo de cartilha nas escolas – mas, certamente,
é o que fez isso de maneira mais radical. Os professores,
por exemplo, são avaliados em quatro frentes: recebem
notas dos alunos, dos pais e do diretor e ainda outra pelo
cumprimento das metas acadêmicas. Aos melhores, é
concedido bônus no salário. Diretores à
frente de uma escola cujos alunos não avançam
nas médias, por sua vez, são removidos do cargo.
Já estudantes como Jéssica Simões de
Andrade, 17 anos, assinam um contrato na hora da matrícula,
por meio do qual se tornam responsáveis pela preservação
de laboratórios e salas de aula. Filha de uma empregada
doméstica e de um mecânico que não passaram
do ensino fundamental, Jéssica acaba de passar no vestibular
de quatro universidades. Optou pelo curso de química
industrial da Federal de Pernambuco: "Cheguei a achar
que não dava para os estudos". Ela e outros 77%
dos jovens desses Centros de Ensino Experimental (CEE), como
as escolas são conhecidas, vêm de famílias
cuja renda não passa de dois salários mínimos
por mês. Até então, eram apenas maus alunos,
com pouco ou nenhum interesse pela sala de aula.
O que os fez, afinal, entusiasmar-se
tanto pelos estudos? Um grupo de professores de bom nível,
não há dúvida, foi um fator determinante.
Em meio a milhares de concursados no estado, esses foram escolhidos
a dedo, tal como os diretores. Todos passaram por uma prova
de conhecimentos específicos, são formados nas
áreas em que lecionam e 83% têm uma especialização
ou mesmo um mestrado – raridade no cenário das
escolas públicas do país. Por contrato, eles
ainda prometem dedicação exclusiva à
escola, o que lhes garante tempo para atender pais e alunos
e preparar as aulas. Essa é também uma prática
básica, mas incomum no Brasil. Cada aula segue um roteiro
bem amarrado. O professor Djair da Silva, há quinze
anos na rede pública e há quatro no CEE, traduz
o clima de seus colegas de lá: "Voltar para a
escola pública tradicional, nem pensar". Djair
e os outros professores não só têm credenciais
mínimas para ensinar suas respectivas matérias
como ainda são capazes de surpreender os estudantes
com assuntos normalmente repudiados, entre eles ciências
e matemática. Além de medidores objetivos da
eficácia dessas aulas, outra evidência de seu
sucesso vem do depoimento de estudantes como Bruno Leonardo,
16 anos: "Adoro estar na escola".
A exemplo do que ocorre em países
onde a educação funciona, Bruno e os colegas
passam nove horas na escola – e não quatro, como
nos demais colégios brasileiros. Isso, evidentemente,
ajuda. À exceção de bons laboratórios
de ciências e de computadores, não há
nada de especial nas instalações. O que diferencia
esses prédios de tantos outros da rede pública
é, basicamente, sua extrema limpeza e conservação.
Não se trata de um programa caro: o gasto por aluno,
rateado entre o governo e os empresários, sai por algo
como 2 500 reais ao ano – bem menos do que custa um
aluno de escola pública em países como Chile
e Coréia do Sul. Ainda assim, no caso de Pernambuco,
isso representa 60% mais dinheiro do que consome um estudante
de qualquer outro colégio estadual. Para multiplicar
essas escolas às centenas, portanto, cabe a cada estado
fazer as contas e ir atrás de verbas privadas. Alguns
deles, como Maranhão e Ceará, estão justamente
nesse ponto. De todo modo, o caso dos CEEs pernambucanos ajuda
a reforçar a idéia de que, na educação,
grandes avanços podem resultar de um conjunto de medidas
simples – algumas delas até pouco dispendiosas.
Eis o efeito na vida de Lucielle Laurentino, 18 anos, criada
na roça pelos avós, hoje na faculdade de geografia:
"Quando pensava no futuro, eu me via plantando café.
Hoje sonho com um Ph.D.".
Camila Pereira
Revista Veja
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