Uma discussão sobre um radar móvel
na zona leste de São Paulo terminou, na madrugada de
ontem, com a morte do comerciante Samuel Escobar Carrasco,
31. Ele foi atingido por um tiro disparado por um sargento
da Polícia Militar, que fazia bico ilegalmente como
segurança da empresa responsável pelo radar.
O carro do comerciante já havia sido multado, no último
mês, duas vezes na mesma avenida.
O sargento Carlos Roberto Valereano,
47, fugiu do local do crime. Ele se apresentou ao 62º
DP (Ermelino Matarazzo) cinco horas depois e foi indiciado
por homicídio doloso (com intenção),
mas não foi preso. Ele foi poupado da prisão
em flagrante por ter, segundo a polícia, procurado
a delegacia, por confessar ter atirado no comerciante e por
ter entregue a arma usada no crime, um revólver calibre
38.
O comerciante foi atingido por
um tiro, que atravessou seu braço esquerdo e se alojou
no coração. O crime ocorreu na avenida Assis
Ribeiro, em São Miguel Paulista, às 0h30 de
ontem. Segundo a mulher do comerciante, Rita de Cássia
Paganini, 24, que estava no carro com ele, Carrasco parou
seu Vectra prata depois de perceber um flash do radar.
Ele iria, segundo ela, reclamar
contra a colocação do radar de madrugada em
uma área de alta periculosidade. O limite permitido
naquele trecho é de 50 km/h.
A reportagem apurou que as análises iniciais não
localizaram no aparelho a imagem de nenhum Vectra prata ultrapassando
a velocidade máxima naquele horário -mas apenas
a de um veículo preto, a 61 km/h, cuja placa está
ilegível. Paganini afirma que seu marido estava a 60
km/h.
O Vectra, segundo dados do Detran-SP
e da CET, acumula R$ 1.999,25 em sete multas que ainda não
foram pagas nos últimos dois anos (quatro delas por
excesso de velocidade). Ele já havia sido flagrado
por radares na Assis Ribeiro três vezes -incluindo os
dias 18 e 19 de setembro.
O registro oficial do carro também aponta que seus
documentos foram apreendidos em novembro de 2001. Licenciamento
e IPVA (R$ 2.202,11) estão atrasados.
Versões
A Polícia Civil investiga duas versões do crime.
Na primeira, sustentada por Rita de Cássia Paganini,
Carrasco foi agredido e morto sem motivo. Na segunda, defendida
pelo sargento da PM, ele teria feito um gesto que parecia
sacar uma arma. Carrasco estava desarmado.
Segundo sua mulher, os dois
voltavam de uma festa quando o comerciante percebeu o flash
de um radar móvel. Quando ele saiu do carro e começou
a reclamar da multa, teria sido cercado por dois homens armados.
Um deles, segundo Paganini, deu uma coronhada em Carrasco,
que teria caído sobre o equipamento.
Logo depois, segundo a mulher,
o mesmo homem fez o disparo contra o comerciante. "O
homem também apontou o revólver para mim e não
me matou porque apareceram vários motoboys", disse
Paganini. O comerciante voltou para o carro e tentou dirigir,
mas desmaiou. Morreu no hospital.
O operador de radar da Consladel
(uma das empresas que cuidam dos aparelhos móveis em
SP) Washington Luiz dos Santos Bastos, 30, disse, no boletim
de ocorrência feito na madrugada, que estava perto do
aparelho quando teria visto o comerciante sair do carro e
tentar destruí-lo. Logo depois, teria havia uma briga
entre o sargento e Carrasco.
À tarde, Bastos foi ouvido
novamente e disse que o disparo ocorreu quando o comerciante
tentava segurar o braço do PM. A descrição
contrasta com o depoimento do sargento no 62º DP, às
6h de ontem. Valereano disse que atirou porque o comerciante
parecia sacar uma arma. Ele também confirmou trabalhar
para a empresa Consladel como segurança -o bico é
proibido pelo Estatuto da Polícia Militar.
Valereano é policial militar há 24 anos e estava
lotado no CFAP (Centro de Formação de Aperfeiçoamento
de Praças). Ele foi afastado das funções
e está à disposição da Corregedoria
da PM.
Ele e a mulher do comerciante
devem depor no 62º DP nesta semana. "Se for apurado
que ele [o PM] não está falando a verdade, vou
pedir a prisão preventiva", disse o delegado Gilmar
Pasquini Contrera. A polícia tenta descobrir quem seria
o segundo homem armado descrito por Paganini. Carrasco será
enterrado hoje, no cemitério Vila Formosa 2.
Os radares móveis existentes
em São Paulo são operados pelo consórcio
Monitor, que é remunerado por "produção"
-recebe R$ 26,87 para cada multa registrada e paga pelos motoristas.
GILMAR PENTEADO
ALENCAR IZIDORO
Da Folha de S.Paulo
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