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CRÍTICA
Imagens do diretor constroem espetáculos inesgotáveis
MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL
O cinema , entre tantas coisas
que o formam, é feito de clichês, e entre eles existe aquele
afirmando ser o cineasta Jacques
Tati "o Charles Chaplin francês".
Como todo lugar-comum, a
afirmação contém um pouco de
verdade e um grande desvio, um
lamentável erro de cálculo. Onde
Chaplin é triste e sentimental, Tati
é -de modo quase esquizofrênico- feliz.
Sua felicidade nasce de um pecado original: o dos anos 40, do
século 20, que transformaram a
Europa em um território de desastre absoluto.
Quando Jacques Tatischeff se
torna Jacques Tati, e em 1948 dirige (e, peça essencial em seu esquema, atua) "Jour de Fête", está
pronto para se debruçar sobre o
que mais o fascina: o mundo reinventado do pós-guerra.
"Jour de Fête" é um dos filmes
ausentes no ciclo dedicado a Tati
promovido pelo Museu de Arte
Moderna, mas há seus passos seguintes: das "Férias do Sr. Hulot"
(1953) ao quase surrealista "As
Aventuras de M. Hulot no Tráfego Louco", de 1971, em um total
de quatro longas e três curtas.
Desajustado
Em cada uma de suas obras há
um susto e um divertimento, de
um homem e de uma nação. Antes, um país, a França, imaginava
estar vivendo um idílio camponês
para despertar -com o fim da
Segunda Guerra- em um novo
sistema: o do consumo e das invenções tecnológicas que se tornaram essenciais ao cotidiano da
humanidade.
Tati segue esse mesmo percurso, é seu representante privilegiado, e se mostra um desajustado,
uma pessoa, em uma palavra,
"inadequada".
Esse império do "novo" impõe
desafios sem fim, e são dessas situações que Tati (com um especial tempo e domínio do espaço,
que nele é todo um programa) extrai os risos, as gargalhadas, suas
comédias aventureiras e a rejeição
ao sentimentalismo.
Há em seus filmes, claro, um segredo, e o crítico francês Serge
Daney talvez tenha sido, em seu
texto "Elogio de Tati", aquele que
chegou mais próximo dele.
Serge Daney mostra estar Tati
seguindo a direção contrária, porque em suas comédias, tudo, em
última análise, funciona, e essa
idéia é a mais perturbadora em
seu cinema.
Isso porque todo comediante,
em princípio, é um aliado natural
do desastre, pois cada acontecimento fora de ordem, o caos que
surge onde deveria existir a regra,
é o motivo mais fácil (e infantil, no
sentido mais positivo da palavra)
para que o riso irrompa.
Mas Tati é fascinado pelo fato de
que as coisas continuam a acontecer dentro de uma determinada
rotina e, com o tempo, de forma
aperfeiçoada. Esse é o acontecimento mais ridículo, o melhor espaço para o jogo imposto ao espectador.
Jacques Tati é um artista do burlesco, e suas "gags", cuidadosamente planejadas, pertencem à
história do cinema e à paisagem
emocional de todos aqueles que
estiveram em contato com as
imagens criadas por ele. Imagens
-mais uma vez, como escreve
Daney- "de uma surpresa infinita, um espetáculo inesgotável".
Avaliação:
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