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ANÁLISE
Com maestria, Daumier retrata sociedade da mentira
FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA
A vida moderna é teia de hipocrisias. Quanto mais civilizados os interesses, mais ambíguas as relações. No sobe e desce
da fortuna, assegura-se a posição
pela guerra constante de caras e
bocas.
A caricatura floresceu no ápice
do deslumbramento burguês: a
Paris pós-napoleônica. A capital
do século 19 enterrava o sonho revolucionário da liberdade e fraternidade junto aos despojos das
forças rebeldes massacradas. A
restauração da monarquia corria
junto com a moral retrógrada e
aristocrática dos novos-ricos.
Honoré Daumier foi mestre em
caricaturar aqueles hábitos cosmopolitas. Atendia à demanda
crescente por ilustrações dos periódicos parisinos, cuja circulação
aumentava após 1830.
Daumier tinha a mão treinada
no colorismo. Como pintor, compunha fundos pouco definidos,
contra os quais se destacavam tipos urbanos.
Seu desenho imitava o esquemas das pinturas. Nele vemos retratados os personagens da última fofoca contra uma Paris esfumaçada. O jogo das relações sociais transita pelas ruas, deformando-se o traço conforme a
máscara do dia.
Os fundamentos da caricatura
francesa, aprendeu-os Araújo
Porto-Alegre na pátria de Daumier. Enquanto os Orléans e Bragança tentavam civilizar o Rio de
Janeiro, o premiado aluno de pintura da Academia Imperial foi
mandado em viagem de estudo a
Paris.
Bom gosto
O bom gosto adquirido na metrópole muito valia no mundo da
decoração tupiniquim. Regresso
da Europa, Porto-Alegre liderou
os trabalhos ornamentais dos locais destinados à coroação do jovem Pedro 2º, tal como desenhou
os figurinos das vestes imperiais.
O sucesso do evento tornou-o
pintor da Imperial Câmara.
Também de Paris, Porto Alegre
nos trouxe a experiência da crônica visual urbana. Em 1844, fundou o primeiro periódico nacional ilustrado com caricaturas, "A
Lanterna Mágica".
No entanto o sarcasmo para
com o provincianismo dos modernos locais não o impediu de
conduzir as reformas da academia. Ampliou os currículos para
torná-los compatíveis com a formação de profissionais úteis, na
esperança de que as modernices
não acabassem em puro diletantismo fashion.
A COMÉDIA URBANA: DE DAUMIER A
PORTO-ALEGRE. Exposição de 240
obras, entre litografias, águas-fortes,
óleos, mapas, periódicos e fotografias do
século 19. Onde: Museu de Arte Brasileira
da Faap (r. Alagoas, 903, Higienópolis,
tel. 3662-7198). Quando: abertura hoje;
de terça a sexta, das 10h às 21h; sábado e
domingo, das 13h às 18h; até 22/6.
Quanto: entrada franca.
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