UOL


São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Com maestria, Daumier retrata sociedade da mentira

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

A vida moderna é teia de hipocrisias. Quanto mais civilizados os interesses, mais ambíguas as relações. No sobe e desce da fortuna, assegura-se a posição pela guerra constante de caras e bocas.
A caricatura floresceu no ápice do deslumbramento burguês: a Paris pós-napoleônica. A capital do século 19 enterrava o sonho revolucionário da liberdade e fraternidade junto aos despojos das forças rebeldes massacradas. A restauração da monarquia corria junto com a moral retrógrada e aristocrática dos novos-ricos.
Honoré Daumier foi mestre em caricaturar aqueles hábitos cosmopolitas. Atendia à demanda crescente por ilustrações dos periódicos parisinos, cuja circulação aumentava após 1830.
Daumier tinha a mão treinada no colorismo. Como pintor, compunha fundos pouco definidos, contra os quais se destacavam tipos urbanos.
Seu desenho imitava o esquemas das pinturas. Nele vemos retratados os personagens da última fofoca contra uma Paris esfumaçada. O jogo das relações sociais transita pelas ruas, deformando-se o traço conforme a máscara do dia.
Os fundamentos da caricatura francesa, aprendeu-os Araújo Porto-Alegre na pátria de Daumier. Enquanto os Orléans e Bragança tentavam civilizar o Rio de Janeiro, o premiado aluno de pintura da Academia Imperial foi mandado em viagem de estudo a Paris.

Bom gosto
O bom gosto adquirido na metrópole muito valia no mundo da decoração tupiniquim. Regresso da Europa, Porto-Alegre liderou os trabalhos ornamentais dos locais destinados à coroação do jovem Pedro 2º, tal como desenhou os figurinos das vestes imperiais. O sucesso do evento tornou-o pintor da Imperial Câmara.
Também de Paris, Porto Alegre nos trouxe a experiência da crônica visual urbana. Em 1844, fundou o primeiro periódico nacional ilustrado com caricaturas, "A Lanterna Mágica".
No entanto o sarcasmo para com o provincianismo dos modernos locais não o impediu de conduzir as reformas da academia. Ampliou os currículos para torná-los compatíveis com a formação de profissionais úteis, na esperança de que as modernices não acabassem em puro diletantismo fashion.


A COMÉDIA URBANA: DE DAUMIER A PORTO-ALEGRE. Exposição de 240 obras, entre litografias, águas-fortes, óleos, mapas, periódicos e fotografias do século 19. Onde: Museu de Arte Brasileira da Faap (r. Alagoas, 903, Higienópolis, tel. 3662-7198). Quando: abertura hoje; de terça a sexta, das 10h às 21h; sábado e domingo, das 13h às 18h; até 22/6. Quanto: entrada franca.


Texto Anterior: Sombras da cidade
Próximo Texto: Erudito: OSM exibe "jóia" de Prokofiev
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.