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Richard Perle diz que não faz sentido reatar relações porque polêmica em torno da guerra contra o Iraque não está superada
Ideólogo de Bush vê EUA longe da Europa
FERNANDO CANZIAN
DE WASHINGTON
Richard Perle, um dos principais ideólogos da área política e
militar do presidente norte-americano, George W. Bush, afirma
que ""não faz nenhum sentido" os
EUA reatarem relações com a Europa como se o contencioso em
torno da guerra contra o Iraque
estivesse superado.
"Se começarmos a estabelecer a
idéia de que tudo fica bem depois
que alguém inicia uma oposição
aos EUA, o que vai desencorajar
outros países a também adotarem
uma posição hostil?", questiona, a
propósito da cúpula do G8, na
França.
Perle, batizado por seus críticos
em Washington como "Príncipe
das Trevas", ocupava uma sala no
Pentágono até março, trabalhando como o assessor especial do secretário de Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld. Deixou o cargo
voluntariamente após ser acusado de fazer negócios "suspeitos"
entre as áreas militar e privada.
Perle é um dos principais "falcões" da administração Bush e incentivou as guerras no Afeganistão e no Iraque e defende mudanças de regime tanto na Coréia do
Norte como no Irã. Mantém uma
casa na França, onde costuma
passar o verão.
A seguir, trechos da entrevista
concedida na sexta-feira.
Folha - O sr. acredita que exista
de fato um sentimento genuíno da
parte do presidente Bush de reconstruir as relações dos Estados
Unidos com a Europa?
Richard Perle - Sempre quisemos ter a melhor relação possível
com a Europa. Mas não faz sentido para os Estados Unidos dizerem: ""Bem, nós tivemos uma pequena diferença. Mas isso está superado". Não creio que seja bem
assim, de modo algum. Se começarmos a estabelecer a idéia de
que tudo fica bem depois que alguém inicia uma oposição
-mais do que isso, uma mobilização-, contra os Estados Unidos, o que vai desencorajar outros
países e pessoas a também adotarem uma posição hostil em relação aos norte-americanos?
Folha - Mas o que os EUA podem
fazer a respeito?
Perle - Não creio que os americanos estejam procurando razões
para as coisas ficarem mais difíceis do que já estão. Vejo o termo
""punição" sendo usado a respeito
dos franceses e da Europa. Não
creio que exista o desejo de punir
ninguém. Mas também não faz o
menor sentido fingir que não
existe um problema. A única maneira de enfrentar problemas é reconhecer a sua existência. Devemos estar abertos à sugestão deles. O presidente Bush deveria
sentar-se com [Jacques] Chirac e
perguntar: ""Você acredita que a
Europa e seu país podem ficar
contra os Estados Unidos? Por favor, descreva o seu conceito estratégico". Pois, se tivermos diferenças de conceitos nessa área, acho
que precisamos conversar mais
seriamente. O mesmo vale para a
Alemanha. É difícil ignorar a
magnitude do que ocorreu durante a campanha eleitoral alemã,
e mesmo depois dela, em relação
aos Estados Unidos e ao Iraque.
Folha - Nesse sentido, como o sr.
vê os resultados da reunião do G8?
Perle - O G8 é um processo tão
burocrático que o importante é o
que se diz privadamente, e não o
que é oficialmente comunicado.
Há muitos membros graduados
do governo francês que não estão
felizes com o modo como o presidente Chirac tratou as relações da
França com os Estados Unidos.
Mesmo entre aqueles que concordam com a oposição à guerra. É
comum agora ouvir muitos franceses, inclusive dos meios diplomáticos, dizerem que Chirac foi
longe demais. O fato é que as relações não estão, de modo algum,
em um bom estágio. Se Chirac repetir no G8 o mesmo que vem dizendo até agora, não avançaremos em nada.
Folha - Ao mesmo tempo em que
os EUA dizem estar dispostos a reparar fissuras diplomáticas, o país
incentiva a queda no dólar em detrimento do euro. Os EUA poderão
crescer à custa da Europa. É uma
forma de troco ou de pressão para
a economia européia reagir?
Perle - O Banco Central Europeu
parece estar obcecado com a inflação, quando o perigo iminente
agora é a deflação. Creio que eles
ainda não entenderam isso. A
queda do dólar vai, de fato, ter impacto muito sério na recuperação
da economia européia. Mas a resposta a isso terá de ser dada por
eles. A Europa terá de fazer algo a
respeito. Eles podem, por exemplo, cortar a taxa de juros deles.
Os investidores hoje estão colocando dinheiro na Europa e no
euro porque a taxa de juros da região é o dobro da americana. O
que posso dizer é que veremos
um crescimento econômico nos
Estados Unidos a partir de uma
combinação da forte liderança internacional do presidente Bush e
de um dólar desvalorizado, que
vai deixar os exportadores americanos em situação mais competitiva em relação à Europa.
Folha - Depois do Afeganistão e
do Iraque, os Estados Unidos se voltam agora contra o Irã. O que podemos esperar dessas ameaças?
Perle - Tenho muitas restrições
aos atuais líderes do Irã, cujas ambições, valores e interesses são
exatamente opostos aos dos Estados Unidos. Não esperaria nada
do governo iraniano, a não ser
manobras táticas para tirar os
americanos e seus aliados da região. O país precisa mudar, e creio
que os Estados Unidos podem
contribuir nesse sentido.
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