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GOVERNADORES
MATO GROSSO DO SUL
Ministério Público pesquisou ligação do governador com um grupo especializado em roubo de veículos
Elo de Zeca do PT com quadrilha é investigado
FABIANO MAISONNAVE
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CAMPO GRANDE
Relatório reservado do Ministério Público de Mato Grosso do Sul
requisita a investigação da suposta ligação do governador do Estado, José Orcírio dos Santos, o Zeca do PT, e integrantes do núcleo
de poder no Estado com membros de uma quadrilha de policiais especializada em roubo e receptação de veículos.
O pedido foi feito à Procuradoria Geral da República após dois
anos de investigação sobre a quadrilha, em 18 de fevereiro deste
ano, e ainda está parado em Brasília.
Zeca é candidato à reeleição e,
segundo pesquisas, pode ser o
único petista a se eleger no primeiro turno nos Estados -Jorge
Viana (AC) seria outro, mas sua
candidatura depende de análise
do Tribunal Superior Eleitoral.
Zeca não comentou o caso, mas a
assessoria do governo classificou
o caso de "eleitoral".
As ligações surgiram durante as
investigações do chamado caso
DOF, realizadas entre 2000 e 2001
pela comissão de promotores que
assina o relatório. São eles Luis Alberto Saffraider, Humberto Lapa
Ferri, Edgar Roberto Lemos de
Miranda e Paulo Cezar Zeni.
O caso DOF empresta seu nome
da sigla do Departamento de
Operações de Fronteira, órgão
policial que cobre os 1.500 quilômetros que dividem Mato Grosso
do Sul do Paraguai e da Bolívia.
A investigação resultou na condenação de 29 pessoas, das quais
17 são policiais, entre militares, civis e rodoviários federais.
Os documentos levantados pela
comissão indicam o envolvimento direto de membros da quadrilha com várias pessoas do círculo
de confiança de Zeca: o ex-secretário de Segurança Pública Franklin Masruha, o ex-procurador-geral do Estado Wilson Loubet,
seu advogado José Valeriano S.
Fontoura e o desembargador Horácio Pithan, nomeado pelo governador em 2000.
O governador
Segundo o relatório, além da influência por meio de aliados e subordinados, três fatos ligam diretamente Zeca à quadrilha.
O mais relevante é o relacionamento do governador com Adão
Leite, um dos criminosos mais conhecidos do Estado nos últimos
anos, morto recentemente.
Suspeito de participação em
dois assassinatos, um deles ligado
ao caso DOF, Adão Edemilson
Leite de Morais foi a principal testemunha de Zeca e de Wilson
Loubet, então no cargo de procurador-geral, em uma representação que os dois moveram em 2000
por calúnia, injúria e difamação
contra o presidente da Associação
dos Procuradores do Estado,
Norton Camatte.
O processo começou por sugestão do próprio Adão Leite, que foi
cliente de Loubet e, segundo os
promotores, conhecia havia muitos anos o governador. Camatte
teria dito a ele que "tinha dois
trunfos" contra Zeca e Loubet.
A representação foi arquivada
em 28 de março de 2001. Poucos
dias antes, no dia 5 do mesmo
mês, Leite fora morto pela polícia
durante uma troca de tiros em
Porto Murtinho (MS), terra natal
de Zeca, junto ao Paraguai.
A polícia tem fortes indícios de
que Leite estava diretamente ligado à quadrilha do caso DOF, sobretudo por seu relacionamento
com o comandante da unidade,
coronel Sebastião Garcia, de
quem foi uma de suas principais
testemunhas e a quem visitava
frequentemente na prisão.
Ele é também suspeito de ter sido o mandante da tentativa de assassinato de um rapaz de 15 anos,
testemunha-chave do caso DOF
por ter sido sequestrado pela quadrilha. Ele só escapou porque foi
confundido com um vizinho, que
acabou sendo morto a tiros.
Quando morreu, Leite respondia a processo por lesão corporal e
resistência e era suspeito da morte
de um delegado em 2001.
Ele já tinha uma condenação,
por apropriação indébita de um
revólver, em 98. Seus advogados
no pedido de habeas corpus foram Loubet e o Pithan.
Há duas outras citações diretas.
Primeiro, o DOF é subordinado
diretamente ao secretário e ao governador, passando por cima da
PM e da Polícia Civil.
Segundo, são arroladas declarações de Zeca criticando o rigor da
investigação sobre o DOF e defendendo suas indicações.
O coronel e o major
A chave da investigação são o
ex-comandante do DOF, coronel
da PM Sebastião Otímio Garcia
Silva e o ex-subcomandante da
unidade, major da PM Marmo
Marcelino Vieira de Arruda, ambos nomeados por Zeca. Principais líderes da quadrilha, foram
condenados no fim de 2001 a mais
de 20 anos de prisão cada.
Antes de serem nomeados por
Zeca, em 99, os dois oficiais já tinham problemas com a Justiça. O
coronel respondia a um processo
por agiotagem em que era acusado por 92 pessoas. Ele foi condenado, mas a pena prescreveu.
Nos primeiros meses do caso
DOF, o advogado de Garcia foi José Valeriano S. Fontoura, que atua
em causas pessoais de Zeca e é o
principal advogado do PT no Estado. Homem de confiança de Zeca, tem sua autorização para atuar
nos bastidores políticos.
Os promotores descobriram
que o coronel Garcia tinha registrado em seu nome um automóvel Jeep Grand Cherokee, ano 97,
que era usado por Fontoura.
Já o major Marmo tinha uma
lista de processos mais extensa,
que incluía até uma acusação de
formação de quadrilha.
Para se defender, segundo o relatório, o major contava com um
advogado experiente: o ex-procurador-geral do Estado, Wilson
Vieira Loubet, sócio de um escritório de advocacia de Horácio Pithan, hoje desembargador do Tribunal de Justiça.
Como desembargador, Pithan
tomou a decisão mais polêmica
do caso DOF, que levou os promotores escrever o relatório: em
30 de janeiro deste ano, foi relator
e votou a favor do habeas corpus
ao major Marmo mesmo depois
que ele ter sido condenado a 20
anos por sequestro.
Além de Marmo, recebeu habeas corpus um tenente. Foram
os primeiros habeas corpus concedidos pelo Tribunal de Justiça a
envolvidos no escândalo, dentre
mais de uma centena de pedidos.
Outra coincidência: consta no
relatório que coube a Fontoura a
sustentação oral do pedido de habeas corpus de Marmo e Nerion,
já que seu advogado formal, Mário Sergio Rosa, estava preso por
causa de uma condenação por
tráfico de drogas. Em entrevista à
Agência Folha, Rosa confirmou
que estava detido, mas nega que
Fontoura tenha feito a defesa.
Contraditoriamente, de acordo
com os promotores, na mesma
sessão não foram concedidos habeas corpus a três réus-colaboradores, um deles com a pena de
apenas três anos e dois meses.
A decisão foi classificada de "absurda" pelo subprocurador da
República Wagner Gonçalves,
que acompanha pelo Ministério
Público Federal os pedidos de habeas corpus do caso que chegam
ao Superior Tribunal de Justiça.
"Fizemos uma sustentação demonstrando o absurdo de soltá-los e o risco que os promotores
passariam a correr."
O secretário
Também chamou a atenção dos
promotores a ligação pessoal do
cabo da PM lotado no DOF Manoel João de Figueiredo com o então secretário de Segurança Pública e deputado estadual (PDT),
Franklin Masruha, que em 2001
foi nomeado por Zeca conselheiro do Tribunal de Contas.
Nos autos do processo, consta
que o cabo Figueiredo trabalhava
na fazenda de Masruha e que ele
chegou a usar uma camionete sua
durante o sequestro de um adolescente de 15 anos, em 2000.
Outro episódio citado no relatório ocorreu em 14 de julho de
2000. Naquele dia, Masruha pediu
a transferência de três réus-colaboradores de uma delegacia para
o sistema penitenciário. O pedido
de Masruha, negado, foi reforçado por Fontoura, que não era advogado de nenhum dos três, mas
do próprio coronel.
Diz o relatório: "Nunca foi da alçada do senhor secretário de Estado de Segurança Pública requerer
a juiz transferência de preso (...).
Ademais, [os colaboradores" tornar-se-iam, por óbvio, presas fáceis de qualquer atentado".
No fim do texto, que inclui mais
de mil páginas de documentação
em anexo, a comissão pede que
sejam investigadas as "muitas
coincidências" e solicita proteção
da PF "uma vez que a cúpula da
quadrilha tem ligações com pessoas do primeiro escalão do governo do Estado de Mato Grosso
do Sul, que comanda as polícias".
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