São Paulo, domingo, 01 de dezembro de 2002

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ELIO GASPARI

A receita de capitalismo do poeta é boa e atual

Mário Faustino foi um grande poeta. Nasceu no Piauí, criou-se em Belém, triunfou no Rio e morreu na cordilheira dos Andes, em 1962, aos 32 anos. Foi num desastre com um avião da Varig, mas isso é coincidência. Deve-se ao poeta uma genial visão do "monturo" nacional. Numa de suas raras poesias políticas, deixou "a quem queira, a quem possa, a quem sirva, a quem goste, a tarefa de construir um mundo novo". Mesmo assim, para arrasar com o "monturo" nacional, ele propôs duas opções:
"Uma delas é arrebentar-lhe ostensivamente com as regras do jogo. A outra é desenvolver até o requinte as referidas regras do jogo e obedecer, também até o requinte, às ditas regras do jogo".
Para se arrasar o "monturo" nacional há de fato dois caminhos e um deles é fazer cumprir em Pindorama as regras do jogo capitalista.
São normas elementares do capitalismo que empresa quebrada quebra. Se por alguma arte é possível impedir sua falência, seus controladores vão-se embora. Em Pindorama dá-se um fenômeno diferente. Só quebra quem não descola um dinheiro do BNDES. Ademais, mesmo que as empresas quebrem, não mudam de dono.
Vendo a maneira como os controladores da Varig apresentam o seu problema à patuléia, parece até que é o BNDES quem está em dificuldades. Pobre BNDES. O que seu presidente pode fazer pela Varig fez na quarta-feira, embarcando num de seus aviões, de Frankfurt para o Rio. Eleazar de Carvalho voou na executiva e seu assessor voou na econômica.
Em 1965 a Varig era uma empresa boa e regional. A grande dama dos ares chamava-se Panair do Brasil. Estava mal das pernas e o governo fechou-a. Para fechá-la, fizeram uma lei que a impedia de pedir concordata. A Varig virou uma empresa internacional graças a uma canetada que degolou sua concorrente. Agora, é essa canetada quem impede que peça concordata. Deve cerca de US$ 764 milhões, opera no prejuízo e está com patrimônio liquido negativo de mais de US$ 1 bilhão. No velho e bom capitalismo aconteceria com a Varig o que sucedeu à Panam e à TWA: dança. Com ela dançam os credores, sejam bancos, sejam fornecedores.
Na tentativa de salvar a empresa, os credores vinham tentando um caminho que acabava no guichê do BNDES. Não deu certo porque a Fundação Rubem Berta, que controla a empresa, depôs a diretoria que tratava do assunto. É a segunda vez em três anos que ela faz isso.
Se os donos da Varig têm onde pegar dinheiro para pagar sua contas, muito bem. Se não têm, devem escolher entre ser donos de 100% de nada ou de uma migalha de 100. A idéia de que o BNDES deve cuidar do assunto é falsa. Na verdade, ele não devia ter se metido nessa questão.
Há interesses políticos (todos trabalhando na sombra) cuidando dos propósitos da Fundação Rubem Berta. Pode-se temer que eles esperem um socorro da nação petista, em nome dos 15 mil empregos que carrega consigo. Se a empresa acabar, o mercado absorve boa parte deles, como a Varig absorveu um pedaço da Panair.
Se as regras do jogo forem escrupulosamente cumpridas, arrasa-se o "monturo". Quem tem dívidas e não tem como pagá-las deve procurar sócios ou baixar a porta. O BNDES não é hospital. Até porque, quando o chamam para salvar a nação, o que se quer é salvar empresários que fizeram dívidas ruins com banqueiros e fornecedores que deram créditos desastrosos. Nunca é demais lembrar que, enquanto pôde, a Varig não deu milhagem aos seus passageiros. Quando a deu, não aceitava os vôos da ponte aérea (a linha mais rentável do mundo) como créditos do consumidor. Massacraram a clientela, até que o comandante Rolim Amaro, da TAM, quebrou-lhes o cartel. Rolim morreu.

Curso Madame Natasha de piano e português
Madame Natasha tem horror a música. Ela cuida do cumprimento dos contratos do idioma e concedeu mais uma de suas bolsas de estudo ao doutor Luciano Neves Moraes, diretor da comercializadora de energia Tradener, pela seguinte pérola:
"Em síntese, as soluções para o setor de energia elétrico brasileiro e sua expansão passam necessariamente pela capacidade das partes interessadas conjuminarem seus esforços e iniciativas, cada qual contribuindo sobremaneira para o sucesso desta empreitada, sem, entretanto, uma anular as ações benéficas e sustentadas que a outra parte possa fazer".
Madame acha que ele não quis dizer nada.

Conserto
Há oito anos anos o crítico literário americano Arold Bloom publicou um livro listando as obras que considerava canônicas na literatura ocidental. Passou batido por Machado de Assis. Agora publicou "Genius", listando os cem maiores escritores do mundo e incluiu o bruxo. Fez isso com um toque de ironia. Chamou Machado (corretamente) de afro-brasileiro e registrou que a leitura do escritor cubano Alejo Carpentier sugere um autor negro. Com Machado, o autor parece branco.

Safra morreu num cenário de pastelão
Na terça-feira, exatamente três anos depois do episódio, sai a sentença do enfermeiro Ted Maher, acusado de ter provocado a morte do banqueiro Edmond Safra em seu apartamento de Monte Carlo.
Safra morreu aos 67 anos, asfixiado pela fumaça de um incêndio, depois de se trancar por seis horas num banheiro, supondo que estava sendo atacado por sequestradores ou terroristas. Maher, de 44 anos, confessou que simulou um ataque e provocou o incêndio para aparecer como salvador de seu patrão. Ex-boina verde, ganhava US$ 600 por dia, casa e comida, sem impostos. O enfermeiro está preso numa cana de dar inveja, com vista para um jardim. Deverá ser condenado a uma pena leve. É provável que passe o Natal de 2003 em casa, nos Estados Unidos.
De acordo com as normas do principado, o julgamento não pode ser filmado, gravado ou taquigrafado. Tem 80 pessoas na platéia e só. Quem o assistiu está escandalizado. Parece que a morte de Safra deu-se num filme de Carlitos. A polícia de Mônaco, temendo terroristas, prendeu um levantino que estava na entrada do edifício onde Safra ocupava os dois últimos andares. Era o chefe de sua segurança. Como suspeitava-se de um ataque terrorista, os policiais não foram ao quinto andar nem deixaram que os bombeiros fossem. Safra, por seu lado, recusava-se a abrir a porta do banheiro porque temia ser sequestrado. Não a abriu nem depois que os bombeiros chegaram. Podia ter aberto a janela, óbvio. Era blindada. Segundo uma versão demoníaca, ela poderia ser aberta manualmente, mas o mecanismo falhou.
O banqueiro deixou para trás uma ciclópica briga entre sua viúva e os dois irmãos, que vivem no Brasil. A herança de algo como US$ 8 bilhões de dólares foi quase toda para instituições de caridade. Sua mulher, a gaúcha Lily, que hoje mora em Londres, saiu com cinco casas e US$ 1 bilhão na bolsa, além de renda garantida sobre outros US$ 500 milhões.
O desfecho do que se chamou de "julgamento do século" tem tudo para ser anticlimático. Salvo por um detalhe. Um dos curiosos sentados na platéia sugere novas e futuras emoções: é o jornalista Dominick Dunne, da revista Vanity Fair. Seu primeiro trabalho sobre a morte de Edmond foi exemplo de competência e cautela. Pode-se suspeitar que esteja preparando um livro.

Voz sábia
Três observações de um sábio de Brasília, todas úteis para as cabeças emplumadas da nação petista:
1) Às oito da manhã do dia 2 de janeiro o companheiro Lula tem que abrir a quitanda do Planalto às 8h. Deverá vender pepinos, bananas e rabanetes até as 18h. No dia seguinte, a mesma coisa, por quatro anos. Na quitanda, ele passará 95% de seu tempo vendendo pepinos e rabanetes (ou "matando um leão por dia", como diz FFHH). Se tiver sorte, disporá de 5% do tempo para pensar em mudar o mundo.
2) Antes de abrir a quitanda, banqueiros e empresários acham que o doutor Antônio Palocci Filho é um gênio, porque diz o que eles querem ouvir. No dia 2 de janeiro eles irão à quitanda oferecer pepinos e bananas, interessados em levar rabanetes. Não terão o menor interesse na profundidade do pensamento macroeconômico de Palocci.
3) No dia 2 de janeiro não haverá mais candidatos a ministro. Haverá candidatos preteridos e ressentidos.

Entrevista

Candido Mendes

(74 anos, professor, membro do Conselho Nacional do PSDB, defensor de uma aliança com o PT, chamado de "tucano vermelho".)

- Qual o maior risco para o governo Lula?
- O risco internacional. Hoje um governo pode ser considerado esquerdista, como o dele vem sendo considerado, e isso não tem a menor importância. O que não pode é ficar sob a suspeita de populismo. A indústria da instabilidade conseguiu manter essa suspeita de pé. Não tenho visto uma baixa de guarda e você percebe que essas publicações de bancos continuam influenciando a grande imprensa internacional. Menos do que influenciavam, mas o fenômeno persiste. É preciso enfrentar essa adversidade levando em conta que há nela um ingrediente especulativo. Ganha-se dinheiro dizendo que o governo Lula torna instável a economia brasileira. Ganhou-se dinheiro dizendo que o Brasil seria uma segunda Argentina. Hoje você conversa com as pessoas que vendiam aquele medo e elas nem tocam no assunto. Estão vendendo outro.

- O senhor não está se esquecendo de que Lula também precisa mostrar que não é o essa tal coisa chamada de "populista"?
- Nós podemos ter dificuldade para definir populismo, mas infelizmente o rótulo de populista pode ser colocado nas pessoas sem o mesmo grau de racionalidade. Lula vai a Washington para se encontrar com o presidente George W. Bush. Eu duvido que Bush e sua equipe tenham alguma coisa, por menor que seja, contra o projeto Fome Zero. Pelo contrário, não me surpreenderia que o governo americano apoiasse e até mesmo colaborasse com o Fome Zero. Os governantes americanos sabem que quando o dinheiro é bem aplicado, o social é barato. A maior mudança que Lula oferece é a obsessiva qualidade na aplicação dos recursos sociais. Quando o governo petista mostra que suas administrações municipais e estaduais romperam a "societas celeris" existente entre fiscalizados e fiscalizadores na arrecadação de impostos, os americanos captam a mensagem. Não há nada mais americano, mais antipopulista e, diria mesmo, mais republicano, do que levar quem deve a pagar ao Fisco. O governo Bush não tem motivos para puxar a carta da instabilidade do Brasil. Eu acredito que mesmo aqui, as camadas mais ricas vão comprar, sinceramente, o projeto social do governo.

- O senhor apoiou Lula. Como "tucano vermelho", que balanço faz de FFHH?
- Devemos-lhe a consolidação democrática, a estabilidade monetária e até mesmo o bom humor. Ele deixou a marca social do seu governo para o segundo mandato e, com a crise cambial de 1999, foi apanhado na contramão. Seu projeto ficou inacabado. O PSDB fez o governo da alegria do PFL e agora o PT está condenado a fazer o governo da alegria do pensamento social-democrata do PSDB.



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