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POLÍTICA EXTERNA
Luiz Felipe de Alencastro acha que a rede de contatos do presidente retarda o desgaste, mas não move agenda
Esquerda não ajuda Lula, diz historiador
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Apesar de desgastes inerentes
ao exercício do poder, a esquerda
européia mantém o apoio e a boa
percepção em relação ao governo
Luiz Inácio Lula da Silva, avalia o
historiador Luiz Felipe de Alencastro, 57.
Isso porque Lula e o PT, desde
antes da chegada à Presidência,
participam de uma rede internacional que articula sindicatos e
partidos. Essa rede, segundo o
professor de história do Brasil na
Universidade de Paris 4 (Sorbonne), integra a estratégia de política
externa do governo e "retarda o
desgaste" do presidente.
Tal articulação internacional,
adverte Alencastro, não contribuirá para o avanço da agenda de
política externa do país. Por mais
simpático que o Partido Socialista
francês seja a Lula, a Europa não
abrirá seu mercado para os produtos agrícolas brasileiros, exemplifica o historiador.
Leia a seguir trechos da entrevista concedida por telefone, de
Paris, à Folha.
Folha - A esquerda européia tem
mudado sua percepção sobre o governo Lula?
Luiz Felipe de Alencastro - Há
um debate na esquerda francesa
para tentar captar uma esquerda
abstencionista -ou que vota nesses partidos trotskistas que estão
fora das alianças políticas- para
o processo eleitoral e para o processo de alianças. A idéia de que o
Lula tinha sido capaz de fazer
uma aliança ampla e chegar ao
governo com partidos de esquerda e movimentos sociais atraiu
muito uma parte do Partido Socialista, que tinha acabado de ser
derrotado aqui [no ano passado].
Evidentemente que esse tipo de
expectativa tão geral não tinha
condição de perdurar. A esquerda
aqui é multifacetada e imediatamente já havia críticas [a Lula],
desde a aliança com o PL.
Mas isso tem uma importância
relativa. O Partido Socialista esteve aí na Internacional Socialista,
foram recebidos pelo Lula e voltaram falando bem.
A França não só tem uma condição econômica incomparavelmente melhor que o Brasil, mas
tem ainda uma couraça gigantesca do ponto de vista financeiro,
que é estar debaixo do Euro. Não
fosse a filiação ao Euro, o [presidente Jacques] Chirac nunca poderia ter proposto o veto à Guerra
do Iraque. Teria ocorrido uma especulação em cima do Franco que
faria ele recuar imediatamente.
Folha - Ficaria tão fragilizado financeiramente quanto o Brasil é?
Alencastro - Claro.
Folha - Na esquerda francesa a
imagem do governo Lula continua
positiva?
Alencastro - Sim. As perspectivas se reduziram, até porque o
impacto da vitória ficou para trás.
Houve também crises aqui e ali.
Isso desgasta um pouco, mas não
há desencanto. Acho também que
o encanto maior durou os três
dias seguintes à eleição.
Folha - Chegou-se a falar no PT e
no Lula como uma esperança para
a esquerda no mundo.
Alencastro - O mal-entendido foi
esse, inicialmente. Eles não têm
percepção da situação brasileira.
Os sistemas de aliança, o sistema
político-eleitoral no Brasil e aqui
[França] são completamente diferentes. Não dá para comparar.
Mas a percepção que há é que o
Brasil tem uma política externa
ativa. A surpresa maior foi aí. A
política externa era o terreno privilegiado do Fernando Henrique,
que tinha uma rede de relações internacionais. Não se tinha percebido que o Lula também tinha
uma rede de contatos sindicais
pelo mundo inteiro. E o PT e o Itamaraty estão utilizando isso bem.
Onde o Lula vai, ele primeiro
tem um encontro com o chefe de
Estado, depois se encontra com as
lideranças sindicais, que ele conhece há muito tempo. Na Europa, isso conta muito. Desdobra
em outro tipo de relação, tem outro tipo de rede de informação. É
um trunfo que nenhum presidente americano -nem norte-americano nem sul-americano- teve. A social-democracia européia
sempre jogou nesses dois registros [Estados e sindicatos].
Folha - Jogar nesses dois registros torna menos flutuante a percepção do governo Lula?
Alencastro - Exatamente. Além
disso, a percepção geral é que é
necessário esperar mais um pouco, para ver se há uma retomada
econômica e se o Fome Zero, por
exemplo, engata mesmo.
Folha - Até quando?
Alencastro - Se na eleição municipal do ano que vem o PT sofrer
uma derrota, isso vai ser um sinal
de que o governo não tinha o fôlego que se pensava. Essa eleição
talvez seja a primeira que terá
efeitos internos e externos. As reformas ainda não aparecem como
vitória clara do governo, porque
botaram muita água no vinho,
mudou muita coisa...
Aliás, as eleições municipais de
2000 é que deram o sinal de que o
PT poderia ganhar a eleição presidencial. Isso foi imediatamente
percebido pelo embaixador americano no país à época, amigo de
[Bill] Clinton, que convidou José
Dirceu a Washington.
Essa eleição municipal será importante, e o Lula percebeu isso,
está empenhado na campanha da
Marta [Suplicy, prefeita de São
Paulo] e na eleição como um todo. Foi um erro que o Fernando
Henrique cometeu, de não se empenhar nas eleições municipais.
Folha - O PT participou ativamente da Internacional Socialista com
o argumento de que aqueles partidos têm penetração na sociedade.
Isso ajuda a política externa?
Alencastro - O conhecimento da
política externa pela opinião pública em geral é muito relativo,
tanto na Europa quanto nos EUA.
Os jornais cobrem, mas a opinião
pública não tem idéia. O Brasil
tem uma visibilidade grande, de
país democrático e com instituições sólidas, o que vem desde o
impeachment do [Fernando]
Collor -feito dentro das regras
constitucionais. Essa percepção é
permanente aqui.
Folha - Mas essa rede e essas percepções ajudam concretamente?
Alencastro - Não. Acho que não.
No caso concreto da agricultura,
ela é um problema, no caso da
França, de civilização até.
Mesmo a agricultura sendo subvencionada do jeito que é, não
passa pela cabeça de ninguém que
a França não tenha mais camponeses, agricultores. A cultura
camponesa é um elemento constitutivo da cultura francesa. Foram eles que fizeram as catedrais,
a Notre Dame. A cultura rural está
entranhada na história do país há
2.000 anos, e não é porque você
tem uma concorrência internacional que eles vão largar essa política [de subsídios].
Folha - Eles não vão ter benevolência com os interesses do sul?
Alencastro - Nenhuma.
Folha - O efeito dessa rede, que o
Lula e o PT têm, é qual então?
Alencastro - Serve para que os
dossiês sejam mais bem apresentados. Você fica sabendo melhor
as posições dos países. Em Cancún, por exemplo [em setembro,
numa das etapas de negociação
da Organização Mundial do Comércio, quando o Brasil e outros
países pobres apresentaram posições antagônicas às dos EUA e
Europa], houve uma primeira
tentativa, iniciada pelos americanos, de mostrar a posição do Brasil como porra-louca e intransigente. Ao fio das semanas, as posições do Brasil apareceram mais
bem explicadas.
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