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DIPLOMACIA
Países participantes terão que apresentar ofertas de abertura comercial
Lula terá 6 meses e 15 dias para decidir ação na Alca
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A QUITO
O governo de Luiz Inácio Lula
da Silva terá exatos seis meses e 15
dias para decidir o que fazer na
negociação da Alca (Área de Livre
Comércio das Américas), o conglomerado de 34 países, 800 milhões de habitantes e uma economia conjunta de US$ 11 trilhões.
Só no dia 15 de julho de 2003 é
que os países que participam da
negociação da Alca terão que
apresentar ofertas consistentes de
abertura comercial. Até lá, haverá
outras datas-limite, mas todas
elas permitem ofertas limitadas.
Exemplo: o Mercosul ganhou o
direito de apresentar até 15 de fevereiro sua proposta inicial de
abertura de mercado. Mas, como
a Argentina tem eleições em março e posse do novo presidente em
maio, é praticamente impossível
que o bloco sulista consiga definir
a sua TEC (Tarifa Externa Comum). A TEC é o imposto que cobram países-membros de uma
união aduaneira, como pretende
ser o Mercosul, dos produtos provenientes de terceiros países.
O atual governo crê que deixará
para Lula o caminho relativamente aplainado para tomar decisões
relativas à Alca. O ministro Sérgio
Amaral (Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior) lembra que já foi contratado o Cesa
(Centro de Estudos da Sociedade
de Advogados, composto por oito
grandes escritórios de advocacia),
para analisar diferentes aspectos
das negociações.
Em dezembro, o ministério pretende divulgar, em São Paulo, os
resultados de estudos macroeconômicos e também de 20 setores,
elaborados por especialistas da
Unicamp, da USP e da UFRJ.
Será certamente o elenco mais
abrangente de avaliação econômica das consequências da Alca
para o Brasil. Há pelo menos um
nome da Unicamp, o do economista Fernando Camargo, que reduz a pó as vantagens eventuais
da Alca para o Brasil.
"Mesmo que todos os instrumentos tarifários e não-tarifários
atualmente usados pelos EUA sejam abandonados, a opção Alca
tende a nos impor uma especialização ainda mais regressiva do
que a verificada nos primeiros
anos de abertura comercial das
gestões Collor/Cardoso, o que nos
conduziria à "vocação" pouco alvissareira de fornecedores de bananas", escreveu Camargo para
edição especial do mensário "Le
Monde Diplomatique". Pode ser
exagero, mas dá uma idéia das
paixões que o tema desperta.
Antes mesmo dos estudos macro e setoriais, o ministério promoverá, dia 22, um seminário na
Fiesp (Federação das Indústrias
do Estado de São Paulo) para discutir o que aconteceu com o México depois de ter assinado o acordo do Nafta. Trata-se da Área
Norte-Americana de Livre Comércio, uma espécie de antecessor da Alca. O México é um belo
exemplo das imensas controvérsias que cercam acordos comerciais tão abrangentes.
Os defensores do livre comércio
citam, por exemplo, o fato de as
exportações mexicanas terem sido catapultadas, nos 8,5 anos de
vigência do Nafta, para as alturas
de US$ 1 trilhão. É verdade, mas
os adversários do acordo lembram que, no mesmo período, o
crescimento econômico por habitante não passou de um anêmico
0,94% ao ano, na média.
O desemprego de fato diminuiu, mas 48% dos novos empregos criados "não cumprem com o
mínimo da legislação", aponta
Adolfo Arroyo, da Rede Mexicana
contra o Livre-Comércio.
Esse dado torna-se particularmente relevante quando se sabe
que, na reunião ministerial da Alca na sexta-feira, em Quito, a nova
palavra de ordem passou a ser a
vinculação de acordos comerciais
com mais empregos, menos pobreza e menos exclusão social
-exatamente a retórica do PT.
A Folha perguntou a Robert
Zoellick, responsável pelo comércio exterior dos EUA, a razão pela
qual o discurso na Alca, antes recheado de expressões econômico-comerciais, passou a transitar
por termos como "esperança",
usado pelo próprio Zoellick para
apontar objetivos da negociação.
O americano deu uma longa
resposta, prometeu enviar um pacote com discursos seus em que a
questão social aparecia com destaque, e terminou por lembrar os
atentados de 11 de setembro.
Primeiro, disse não acreditar
que a pobreza fosse o motor do
terrorismo, mas acrescentou:
"Sociedades que perdem a esperança tornam-se campos férteis
para proliferação de terroristas".
Desnecessário lembrar que as
crises recorrentes na América Latina levaram as sociedades do
sub-continente à beira da desesperança (ou a caírem nela, como
parece acontecer na Argentina).
O PT, que usa como slogan "a
esperança derrotou o medo", terá
agora a difícil tarefa de decidir se a
Alca é fonte de esperança ou de
medo -e agir em consequência.
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