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ECONOMIA
Lula deverá lidar com a explosão da dívida pública, a desconfiança do capital externo e as promessas feitas na campanha
PT precisa definir quem ganha e quem perde
GUSTAVO PATÚ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Brasil que Luiz Inácio Lula da
Silva assume em janeiro não vive
mais o caos hiperinflacionário de
1989, quando o petista disputou
sua primeira eleição presidencial.
Está muito distante, porém, o otimismo impulsionado pelo sucesso do Plano Real, que em 94 deixou a oposição falando sozinha.
A escalada de preços de 13 anos
atrás foi debelada; a confusão de
diagnósticos e tratamentos para o
país deu lugar a uma agenda consensual, evidenciada pelas eleições, que combina o estímulo às
exportações, bandeira dos intervencionistas, à austeridade fiscal
dos ortodoxos.
Mas também sumiram do horizonte os tempos em que a enxurrada de investimentos estrangeiros nos países emergentes anunciava uma nova era, de modernização e desenvolvimento.
O cenário de hoje acaba por revelar semelhanças com o de 98,
ano da terceira derrota presidencial do PT. Como há quatro anos,
há uma crise internacional, a política econômica terá de mudar e
todos temem os riscos da guinada. Antes, o desafio era desvalorizar o real sem descontrole da inflação, recessão profunda e explosão da dívida pública. A terceira
sequela não foi evitada -e a
bomba cairá no colo de Lula.
O PT devedor
Não faz mais sentido, aliás, o
verbo no futuro. Lula já começou
a administrar o medo e a ganância
dos credores dessa dívida, vulgarmente conhecidos como "o mercado". Sabe-se exatamente o que
o mercado espera do eleito: compromisso com os contratos, equipe econômica de perfil conservador e de controle de gastos.
Na semana passada, o PT fez o
possível -o discurso de austeridade. Os resultados, para um período tão curto, foram bons. O
dólar caiu, embora continue alto,
e a Bolsa subiu, embora continue
desvalorizada. Foi seguido o figurino para evitar que a dívida feche
o ano muito acima dos R$ 800 bilhões, administráveis desde que
sejam cumpridas à risca as regras
do acordo com o FMI (Fundo
Monetário Internacional).
Na programa de governo dos
credores, deve-se apertar os gastos para tornar o país solvente;
manter superávits comerciais para reduzir a dependência em relação ao capital estrangeiro; resolver o déficit da Previdência; quando possível, reduzir os juros e permitir algum crescimento.
Seria mais do que FHC, com
apoio parlamentar, empresarial e
internacional muito maior, conseguiu em seu segundo mandato.
E, ao mesmo tempo, uma grande
frustração diante da plataforma
de redenção social apresentada
desde sempre por Lula.
O PT economista
Em tempos passados, seria mais
fácil antever os primeiros passos
de uma gestão do PT. Em 99, durante uma disparada do dólar similar à deste ano, defendeu-se em
documento a centralização do
câmbio, mecanismo pelo qual o
Banco Central decide que pagamentos em moeda estrangeira
podem ser feitos.
Não são apenas posições assim
que explicam a desconfiança do
mercado em relação ao partido.
Os petistas, que já publicaram algumas dezenas de programas para saúde, educação, reforma agrária e geração de empregos, pouco
falam das políticas fiscal, monetária e cambial, que produzem vencedores e perdedores.
"Macroeconomia nunca foi um
dos pontos fortes do PT", escreveu certa vez Paulo Nogueira Batista Jr., economista de ligações
com o partido. Mesmo nos tempos atuais de moderação e realismo, é comum ver aliados de Lula
pregando que o combate à corrupção, ao desperdício e à sonegação bastará para tirar o governo
da penúria orçamentária.
Ou, como disse Lula sobre o
projeto chamado nada menos
que Fome Zero: "os cálculos que
realizamos mostram que basta reduzir em alguns pontos percentuais a taxa de juros para obtermos os recursos necessários".
O PT recessivo
O ano de 2003 será um primeiro
e duro teste para os planejadores
petistas. Nos últimos dias, eles já
admitiram que soluções como a
mencionada por Lula pertencem
ao mundo de sonhos da campanha eleitoral. O setor público pagará R$ 53 bilhões em juros, mas
ainda deve precisar de outros R$
45 bilhões emprestados.
Mas a escolha mais difícil não
será entre um doloroso aperto
adicional nas contas e o início de
um programa social ambicioso
-a decisão em favor do primeiro
parece tomada. O pior será encarar dois monstros que assombrarão 2003, a recessão e a inflação
-e definir o quanto se aceitará de
uma para evitar a outra.
Os juros subiram para conter os
preços, que ganharam impulso
com a disparada do dólar; o PT,
que dava a inflação por resolvida e
defendia dar um descanso à política do BC e estimular o emprego,
terá diante de si o dilema tantas
vezes renegado em seu programa:
estabilidade ou crescimento.
Uma das saídas imaginadas pelo partido para sair do impasse, a
política industrial, traz custos não
calculados na forma de subsídios
e incentivos fiscais ao setor empresarial. Não há muita margem,
porém, para elevar a receita do
governo, que, superior a 30% do
Produto Interno Bruto, já é alta
para um país de renda média.
O PT reformista
Em razão dos compromissos
com a dívida pública, a carga tributária também não pode cair, o
que torna um quebra-cabeça a
outra proposta petista para romper com o "perverso modelo econômico atual": a reforma do sistema de impostos do país, a primeira da lista do programa de Lula.
Um novo arranjo, "negociado
com a sociedade", deverá ajudar
as exportações e os assalariados
de baixa e média renda.
Embora seja uma das maiores
unanimidades nacionais, tal projeto nunca saiu do papel, seja pela
dificuldade em achar setores dispostos a arcar com cargas maiores, seja pela disputa entre União,
Estados e municípios na divisão
do bolo. E os políticos tendem a
gostar cada vez mais do injusto
mas eficiente sistema tributário.
A reforma da Previdência é outro vespeiro a ser enfrentado pelo
PT -que até outro dia estava entre as vespas. O Tesouro terá de
destinar quase R$ 50 bilhões em
2003 para cobrir os déficits com
aposentadorias da iniciativa privada e do setor público.
Esse valor pressupõe um salário
mínimo de R$ 211 e um reajuste linear de 4% ao funcionalismo. Lula promete dobrar o poder de
compra do mínimo em seu mandato, e os servidores estão entre as
bases mais importantes do PT.
A esse respeito, o programa do
partido pouco traz além de generalidades como aumento da fiscalização e maior eficiência dos gastos. Aposta-se na reforma tributária para definir fontes de receita e
no crescimento econômico para
elevar a arrecadação.
O PT exportador
O crescimento é, e não poderia
deixar de ser, a principal meta de
Lula. Mas é mais que isso: é precondição para todas as demais
metas. À expansão da economia é
dado o papel de fechar as contas
que o ideário petista não faz.
A estratégia de FHC previa importações para modernizar a economia e investimentos externos
para elevar o PIB. A dependência
tornou o país sujeito aos humores
do capital estrangeiro e, nos últimos dois anos, a retração econômica e a alta do dólar forçaram a
volta dos superávits comerciais.
Faz sentido, portanto, o PT defender o aumento das exportações para precisar menos de empréstimos, reduzir juros e crescer.
A atual crise internacional lança
dúvidas sobre que valores seriam
necessários e possíveis.
Para o próximo ano é projetado
um superávit expressivo, de pelo
menos US$ 15 bilhões. Ainda assim, faltarão US$ 37 bilhões para
o país fechar suas contas com o
exterior, que terão de ser buscados na forma de investimentos e
empréstimos em um mercado fechado aos países emergentes.
O acordo com o FMI, se cumprido, põe US$ 24 bilhões à disposição do país e garante 2003. Os
anos seguintes são de incerteza.
A alternativa de elevar os superávits comerciais é mais difícil que
parece. Com as economias de Estados Unidos, Europa e Japão estagnadas, faltará mercado para as
exportações brasileiras. Uma possível guerra entre EUA e Iraque
agravará a situação.
Diante do quadro, o problema
da falta de dólares pode virar uma
solução heterodoxa: a escassez da
moeda elevaria o câmbio e barraria as importações; a queda do
real pressionaria a inflação, que
beneficiaria o Orçamento e conteria a dívida pública. As contas estariam, finalmente, fechadas.
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