São Paulo, domingo, 04 de julho de 2004

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JANIO DE FREITAS

O país indefeso

Se reduzir a inflação ao mínimo é tão favorável aos brasileiros em geral e, portanto, ao país, como dizem os empresários influentes, os economistas e os jornalistas de política e economia, não se explica a ausência de uma grande festa nacional na semana passada. As celebrações dos 10 anos do Real restringiram-se ao chamado supra-sumo da elite econômico-financeira.
Ocorre uma confusão que dificulta o entendimento de muita coisa essencial na atualidade perturbadora a que estamos todos condicionados, no Brasil. O Plano Real, a rigor, foi um plano de estabilização da moeda, proveniente das cabeças criativas (qualidade raríssima entre economistas) de André Lara Rezende e Pérsio Arida. Foi um plano para deter a desvalorização inflacionada e inflacionária da moeda, não era um plano econômico, nem pretendeu sê-lo.
Todas as ocorrências econômicas e sociais subseqüentes ao impacto da estabilização da moeda, aplicado no segundo semestre de 94, governo Itamar Franco, foram obra de políticas de governo -tanto o anterior, como o atual. Políticas econômicas que não figuraram no Plano Real e que têm suas origens personificadas, antes, em Pedro Malan e Fernando Henrique e, hoje, em Lula e Antonio Palocci.
Nos seus 10 anos, o Real tem sido, acima de tudo, um pretexto para as políticas econômicas desejadas pelos dois governos. O Plano Real não propôs nem explica a obra que caracteriza o seu decênio.
País que precisa desesperadamente crescer para gerar emprego e reduzir a extensão e a profundidade da pobreza, nos últimos 10 anos o Brasil cresceu 2% médios ao ano, enquanto países equivalentes vêm crescendo 8%, 10%, casos da Rússia e da Índia, entre outros citáveis. Por conseqüência, o desemprego multiplicou-se por dois e meio, entre o início do governo Fernando Henrique e agora. Logo, os reflexos desses feitos, em enfraquecimento do país, deterioração da vida urbana, decadência cultural e desarticulação familiar e pessoal são, todos, resultados de políticas econômicas.
O pretexto da estabilidade do real tem servido a concepções econômicas e objetivos políticos que se associam na prática e nos efeitos. Um exemplo é abrangente e definitivo sobre os anos de Fernando Henrique/Pedro Malan: a dupla dedicou R$ 111,3 bilhões a socorros a bancos. Ou melhor, aos acionistas dos bancos socorridos. Qualquer um pode imaginar o quanto de desenvolvimento seria impulsionado com a mesma quantia, que acabou impulsionando apenas maiores fortunas pessoais.
Sobre os anos que unem, na mesma política econômica, Fernando Henrique/Pedro Malan e Lula/Palocci, dois exemplos são também abrangentes e definitivos. Um, não poderia ser de outro modo, está nos bancos: de 95 a 2003, só a Petrobras teve lucro maior que o setor bancário, segundo pesquisa da Economática. A contribuição do governo Lula, embora em apenas um ano, deu-lhe a honra de manter o padrão anual do antecessor.
E vai ainda mais longe. O lucro das 500 maiores empresas no Brasil, ao que verificou a revista "Exame", subiu no primeiro ano de Lula interessantes 1.048%: de R$ 5,4 bilhões em 2002 para R$ 63 bilhões em 2003. Só no Brasil tamanho aumento não provoca um escândalo de arrasar qualquer governo.
Aumento ainda mais interessante quando se considera, primeiro, que em 2003 a economia brasileira diminuiu, o que ficou expresso na redução de 0,2% no valor da produção de bens e serviços; e mais interessante quando se constata que as empresas tiveram lucro 1.048% maior ao faturarem menos 3,5% no ano. Fizeram o seu lucro brutal com os juros lulistas e com aumentos de preços.
Os lucros recordistas dos bancos e das maiores empresas têm sentido óbvio: são transferência de dinheiro da população em geral para a menor de suas partes -os que não chegam nem a 5%, mas concentraram a riqueza e a renda.
O que mais impressiona diante dos últimos 10 anos não é, porém, a obra anti-social e degeneradora do país. É a maneira como tal obra de política econômica se impõe, sem defesa possível da população e da própria e corroída nação. As instituições brasileiras estão falindo.
Falar em regime democrático no Brasil é uma aberração tão grande quanto os feitos dos seus governos nos 10 anos do Real.



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