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JANIO DE FREITAS
A calma ameaçada
Mesmo que tenha aplacado
os boatos sobre saída de
Henrique Meirelles da presidência do Banco Central, reafirmando a permanência de toda a equipe econômica, nem por isso Lula
resolveu o problema principal.
Antes agravou-o: a reafirmação
da política e da equipe econômica
já aumentariam a insatisfação
geradora dos boatos, mas o tom
suficiência debochada com que
Lula se dirigiu aos inquietos e o
corte de R$ 6 bi do Orçamento deram início imediato a reações que
vão acelerar o processo de insatisfação e a um desfecho que, se pode tardar um pouco, não pode ser
favorável ao governo. Porque, em
casos semelhantes, nunca o foi.
A incapacidade do governo de
convencer dos seus motivos para
manter intocados os juros altos,
em sua última decisão a respeito,
está mobilizando parte expressiva do empresariado, que, impossibilitado de buscar lucros de produção por insuficiência de atividade econômica, agora percebe
sinais, internos e externos, de que
os lucros com aplicação financeira (a generosa compensação que
mantém acomodado o empresariado) ameaçam com incertezas.
Na frente política, já amanhã a
bancada parlamentar do PT vai
reunir-se e discutir, entre outras
definições de posição, o corte orçamentário que provocou sua desaprovação automática. Os deputados tiveram o cuidado, na formulação final do Orçamento, de
preservar todos os balizamentos
indicados pela equipe econômica
e, em exagero impróprio, submeteram à Fazenda cada passo importante do seu trabalho. O relator foi um petista, Jorge Bittar,
que abriu mão até de deveres
seus, como ficou registrado aqui.
Logo, os deputados têm mais do
que razões para achar absurdo e
desprestigioso com o Congresso
que, já ao entrar o segundo mês, o
governo desautorize o longo trabalho, os tantos cuidados e os critérios que endossou na aprovação
do Orçamento pelo Congresso.
Se os juros já negavam as reiteradas afirmações de Lula e Antonio Palocci - "este será o ano do
crescimento" -, o corte do Orçamento as sepulta. Lula ainda pode dizer, com ares sarcásticos:
"Está nervoso o mercado? Eu não
estou, estou calmo". Não é provável que possa dizê-lo por longo
tempo, se não forem mudadas
certas premissas do governo.
Muitos zeros
Em sua visita propagandística a
cidades inundadas do Nordeste,
Lula responsabilizou o descaso de
todos os governos anteriores. Tem
razão.
Mas, a propósito, quanto o governo Lula liberou, em um ano
inteiro de domínio sobre as contas públicas, para a prevenção de
calamidades, no Nordeste ou em
qualquer parte?
Não há indicação de que algum, um que seja, dos governos
justamente condenados por Lula
tenha sido tão castigado pela política econômica quanto o do próprio Lula, no que respeita a ações
de prevenção em geral.
A nata
A pasmaceira do governo diante do caso Parmalat é espantosa.
A cada dia foi possível pressentir
o agravamento do problema no
dia seguinte, para milhares de
produtores de leite e dezenas de
milhares de trabalhadores, até
chegar a paralisação geral das
atividades, acompanhada do previsível pedido de concordata da
empresa. E o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, nada -
ou melhor, posou para algumas
fotos. O da indústria, Luiz Fernando Furlan, nem isso.
Da Presidência não se tem notícia nem de que já saiba do ocorrido.
Impunidade
A Light é mais do que um problema de respeito impune às obrigações que lhe são impostas por
lei, sem falar nos seus deveres de
sentido social. Venta um pouco?
Já sei que logo faltará energia -
como nesta ocasião em que escrevo, como ontem, como costumeiramente - por horas incalculáveis. E se não ventar é a mesma
coisa.
Depois, às reclamações a Light
afirma que o corte foi provocado
por bandidos de favela. Como há
favelas em todos os bairros do
Rio, a mentira se aplica ao Rio todo.
A Light não é uma empresa de
energia privatizada. É um descaso criminoso, pelo respeito às
obrigações legais e pelos efeitos
que causa, protegido por aumentos incessantes do seu preço imoral.
E mais zero
O melhor da "reforma" ministerial é que deu pretexto, na sexta-feira, para (mais) um grande
churrasco sob patrocínio presidencial. E dará pretexto para
(mais) um grande jantar, na terça.
Isso é que é fome zero.
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