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JANIO DE FREITAS
Vinte anos
Esta coluna faz 20 anos. A
rigor, porém, tal constatação é incerta. As datas conferem
no calendário, e confirmam-se
no alto das páginas do jornal.
Mas o tempo brasileiro é único.
Não acompanha o andar do
tempo no restante do planeta,
nem, muito menos, tem relação
com o correr do tempo humano.
Eis aí:
"Os gestores da administração
financeira não conseguiram, em
definitivo, chegar a um acordo a
respeito das medidas que devem
compor o novo pacote, nem
tampouco conseguiram concluir, em suas respectivas áreas,
os estudos conclusivos sobre as
medidas em discussão".
Texto de hoje, sim, como um
adendo, sob o conveniente título
"Pacote de divergências", às notícias das conflitantes posições e
declarações de vários governistas e do próprio presidente, sobre
a política econômica. Texto, no
entanto, do dia 7 de junho de
1983, primeiro dia do que podem ser 20 anos, iniciados ainda
no regime militar. Ou uma data
que não seria mais do que uma
referência infinitesimal no dia
interminável do mesmismo histórico brasileiro. Este longo dia
sem ocaso do país onde, entre
tantas, a única reforma verdadeira foi na Lei de Lavoisier, reduzida à brasilidade: tudo se
perde, nada se cria, nada se
transforma.
Na visão mais pessoal, os 20
anos significam, em estimativa
razoável, em torno de uns 4.500
artigos. Por sua vez, equivalentes a 20 livros de bons dois dedos
de espessura. Ainda assim, continuei não me sentindo articulista. Meu gosto e habilitação no
jornalismo, se existem, estão em
especialidades exercidas antes
da chegada à Folha. Cada coluna me custou o esforço e a
apreensão, quase sempre ao longo de todo o dia, e nunca respondida em prazo útil, de conseguir
justificar, ou não, o espaço recebido e os minutos do possível leitor. Não invejo os que disparam
seus textos na convicção, sempre, de que estão escrevendo coisas ótimas, mas percebo que este
é um (ou o) modo de conviver
bem com o jornalismo.
Esse convívio, para a maioria
de nós, é um complexo de problemas incompreendido pelo leitor e pouco considerado entre
jornalistas. O capítulo das tensões sempre me recorda Carlos
Castello Branco, inigualável no
artigo asséptico, em que só se
percebia a existência de um autor pelo estilo brilhante. A aparência de frieza, por muitos tida
como indiferença, vigorou mesmo para os amigos até que, ia a
"Coluna do Castello" pelos dez
anos no "Jornal do Brasil", os
cardiologistas do primeiro enfarte de Castellinho decretaram:
seu artigo precisava ser escrito
pela manhã, apesar dos inconvenientes jornalísticos, para encurtar a tensão corrosiva, até o
ponto final, detectada nos exames. São muito interessantes os
estudos, feitos em países desenvolvidos, sobre as implicações
pessoais da vida de jornalista.
Preferiria não ter escrito a
maioria do que aqui escrevi.
Não pelo que disse, mas pelo que
o motivou. Nem por isso me fiz
inimigo de ninguém, embora
atraísse inimizades inúmeras.
Paciência, é da regra do jornalismo, uma atividade que só existe
quando não há acomodação ou
comprometimento. E não é a
mim que cabe o crédito de tê-la
exercido nestes 20 anos. Nisso
sou devedor. Pela oportunidade
oferecida, quando a Folha me
acolheu, em 1980, depois de mais
de dez anos sem chance no jornalismo; pela idéia desta coluna,
que não foi minha, foi de Octavio Frias pai; e pela incrível independência da Folha, que me
permitiu exercer a minha própria. Mesmo sem juros brasileiros, a dívida já nasceu grande
demais para que me fosse possível quitá-la.
Daqui para a frente, não sei
como será. Ou se será. Por aqui,
sinto que estamos todos cansados - leitores, jornal, personagens, autor.
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