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PODER PARALELO
Redes de ações ilícitas chegam a concorrer com o poder oficial em alguns Estados, mostra pesquisa da Unesco
Narcotráfico ocupa espaço de atividades econômicas no país
ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA
A falta de um controle efetivo do
Estado e a conivência de agentes
públicos permitem que o narcotráfico penetre em esferas político-administrativas e judiciais,
promovendo uma espécie de rede
paralela de poder. As atividades
ilícitas, em alguns Estados do Brasil, chegam a concorrer com o poder oficial e até a ocupar o espaço
de atividades econômicas locais
em decadência.
As conclusões acima fazem parte de uma pesquisa inédita intitulada "Globalização, Drogas e Criminalização", que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura)
publica neste mês, em Paris.
Realizado por 16 pesquisadores,
o trabalho analisou durante cinco
anos os aspectos geoeconômicos
e geopolíticos do tráfico na estruturação social de quatro países:
Brasil, China, México e Índia. Os
resultados foram apresentados
durante um congresso na quinta-feira passada, na China.
Foram feitas pesquisas de campo e análises de dados estatísticos
locais e da Polícia Federal. O objetivo do estudo é analisar aspectos
referentes ao tráfico internacional
e suas implicações históricas. No
Brasil, a pesquisa se concentrou
em quatro Estados: São Paulo, Rio
de Janeiro, Acre e Rondônia.
Para o coordenador-geral da
pesquisa, o pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas de Paris
Michel Schiray, uma das conclusões é que "o narcotráfico não se
sustenta sem a participação, mesmo que indireta, do Estado". "Ela
pode ocorrer por meio de traficantes infiltrados na administração pública ou pela corrupção da
polícia ou do Judiciário."
Poder infiltrado
Dois casos na história recente
do país refletem a pesquisa. O governo federal ameaçou intervir no
Espírito Santo por causa do crime
organizado que estaria infiltrado
em todas as esferas de poder.
No Acre, a recente impugnação
(já revertida) da candidatura do
governador, Jorge Viana (PT),
que tenta a reeleição, suscitou discussões de que o crime organizado estaria "voltando" ao Estado.
Há casos em que o tráfico de
drogas aparece associado a atividades legais. Em territórios pouco
controlados da Amazônia, onde é
tênue a separação entre atividades
lícitas e ilícitas, os grandes traficantes despontam também como
agentes da atividade econômica
oficial, segundo o relatório.
Podem ser empresas de fachada
ou reais, que servem tanto para
oferecer cobertura logística material para o transporte e distribuição desses produtos como simplesmente para "legalizar" o dinheiro obtido ilicitamente.
Dois exemplos citados na pesquisa: aclamado como um dos
que introduziram o tráfico em
Rondônia nos anos 70, o piloto
Marcilon Braga é citado pelo uso
de sua companhia de táxi aéreo
para traficar cocaína. Condenado
por tráfico, morreu em 1986.
Outro exemplo revela que autoridades ligadas ao departamento
estadual de trânsito de Ji-Paraná
"esquentavam" papéis de veículos roubados na década de 90 para
permitir a passagem de carros e
caminhões roubados no Pará, em
São Paulo, no Rio e em Estados do
Nordeste pela BR-364, uma das
principais rotas de tráfico.
A pesquisa também analisa a situação em grandes centros, como
São Paulo e Rio. Nessas regiões,
além de ser difícil identificar os níveis mais altos das organizações
criminais, o tráfico está no centro
dos problemas de segurança.
"A taxa de homicídio cresceu
barbaramente nos últimos anos
nas periferias, e isso se deve ao crime organizado", diz a professora
de antropologia da Universidade
Estadual do Rio de Janeiro Alba
Zaluar, uma das pesquisadoras.
A pulverização do dinheiro do
tráfico é outro problema apontado. Estima-se que o narcotráfico
mundial movimente pelo menos
US$ 400 milhões anuais, beneficiado sobretudo por operações de
lavagem de dinheiro.
Para o procurador da República
do DF Celso Três, que investigou
casos de lavagem em Foz do Iguaçu e Cascavel (PR), "especialmente na costa brasileira, há indícios
claros de tráfico, até porque são
regiões em que não há outra atividade" para substituir o ganho
com a venda de drogas.
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