São Paulo, domingo, 08 de setembro de 2002

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PODER PARALELO

Redes de ações ilícitas chegam a concorrer com o poder oficial em alguns Estados, mostra pesquisa da Unesco

Narcotráfico ocupa espaço de atividades econômicas no país

ADRIANA CHAVES
DA AGÊNCIA FOLHA

A falta de um controle efetivo do Estado e a conivência de agentes públicos permitem que o narcotráfico penetre em esferas político-administrativas e judiciais, promovendo uma espécie de rede paralela de poder. As atividades ilícitas, em alguns Estados do Brasil, chegam a concorrer com o poder oficial e até a ocupar o espaço de atividades econômicas locais em decadência.
As conclusões acima fazem parte de uma pesquisa inédita intitulada "Globalização, Drogas e Criminalização", que a Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) publica neste mês, em Paris.
Realizado por 16 pesquisadores, o trabalho analisou durante cinco anos os aspectos geoeconômicos e geopolíticos do tráfico na estruturação social de quatro países: Brasil, China, México e Índia. Os resultados foram apresentados durante um congresso na quinta-feira passada, na China.
Foram feitas pesquisas de campo e análises de dados estatísticos locais e da Polícia Federal. O objetivo do estudo é analisar aspectos referentes ao tráfico internacional e suas implicações históricas. No Brasil, a pesquisa se concentrou em quatro Estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Acre e Rondônia.
Para o coordenador-geral da pesquisa, o pesquisador do Centro Nacional de Pesquisas de Paris Michel Schiray, uma das conclusões é que "o narcotráfico não se sustenta sem a participação, mesmo que indireta, do Estado". "Ela pode ocorrer por meio de traficantes infiltrados na administração pública ou pela corrupção da polícia ou do Judiciário."

Poder infiltrado
Dois casos na história recente do país refletem a pesquisa. O governo federal ameaçou intervir no Espírito Santo por causa do crime organizado que estaria infiltrado em todas as esferas de poder.
No Acre, a recente impugnação (já revertida) da candidatura do governador, Jorge Viana (PT), que tenta a reeleição, suscitou discussões de que o crime organizado estaria "voltando" ao Estado.
Há casos em que o tráfico de drogas aparece associado a atividades legais. Em territórios pouco controlados da Amazônia, onde é tênue a separação entre atividades lícitas e ilícitas, os grandes traficantes despontam também como agentes da atividade econômica oficial, segundo o relatório.
Podem ser empresas de fachada ou reais, que servem tanto para oferecer cobertura logística material para o transporte e distribuição desses produtos como simplesmente para "legalizar" o dinheiro obtido ilicitamente.
Dois exemplos citados na pesquisa: aclamado como um dos que introduziram o tráfico em Rondônia nos anos 70, o piloto Marcilon Braga é citado pelo uso de sua companhia de táxi aéreo para traficar cocaína. Condenado por tráfico, morreu em 1986.
Outro exemplo revela que autoridades ligadas ao departamento estadual de trânsito de Ji-Paraná "esquentavam" papéis de veículos roubados na década de 90 para permitir a passagem de carros e caminhões roubados no Pará, em São Paulo, no Rio e em Estados do Nordeste pela BR-364, uma das principais rotas de tráfico.
A pesquisa também analisa a situação em grandes centros, como São Paulo e Rio. Nessas regiões, além de ser difícil identificar os níveis mais altos das organizações criminais, o tráfico está no centro dos problemas de segurança.
"A taxa de homicídio cresceu barbaramente nos últimos anos nas periferias, e isso se deve ao crime organizado", diz a professora de antropologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro Alba Zaluar, uma das pesquisadoras.
A pulverização do dinheiro do tráfico é outro problema apontado. Estima-se que o narcotráfico mundial movimente pelo menos US$ 400 milhões anuais, beneficiado sobretudo por operações de lavagem de dinheiro.
Para o procurador da República do DF Celso Três, que investigou casos de lavagem em Foz do Iguaçu e Cascavel (PR), "especialmente na costa brasileira, há indícios claros de tráfico, até porque são regiões em que não há outra atividade" para substituir o ganho com a venda de drogas.


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