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JANIO DE FREITAS
Uma outra guerra
A veloz visita do presidente
colombiano, Alvaro Uribe, a
Brasília prendeu-se a decisões
polêmicas e de muito maior gravidade, para o Brasil, do que a
pedida concordância brasileira
com a denominação de terroristas para os guerrilheiros colombianos. A principal daquelas decisões é o já planejado aumento
em grande escala da presença
militar dos Estados Unidos na
Colômbia.
Os governos dos Estados Unidos e da Colômbia preocupam-se com a posição que o Brasil
possa tomar a respeito, influindo
no restante do continente e em
organismos internacionais. A
disposição do governo Bush independe, como é de sua índole,
da posição dos demais Estados
americanos, talvez mesmo da
Colômbia, mas a conveniência
seria apresentar o Brasil como
integrante, em alguma medida,
das operações militares.
Daí as tantas referências de
Uribe ao que seria, mas não é
nem será, a equivalência das
ameaças que os guerrilheiros
("terroristas", nas suas palavras)
representam para Colômbia e
Brasil, em relação ao regime
constitucional de cada um dos
dois países e à integridade biológica da Amazônia. As falas de
Uribe pareciam ofertas de pretensos argumentos para o comprometimento brasileiro com a
guerra interna colombiana.
O problema posto pela decisão
americano-colombiana é complexo para o governo brasileiro.
De uma parte, a relação de guerrilhas colombianas com o narcotráfico tem reflexos numerosos e
graves no Brasil, nem é preciso
citá-los. E os sucessivos governos
da Colômbia têm fracassado,
quando não são complacentes,
no combate tanto aos guerrilheiros-traficantes como aos traficantes não guerrilheiros. De outra parte, a presença militar
americana na Colômbia transgride os tratados e instituições
que regulam as relações entre os
Estados do continente.
Há duas semanas, o Brasil foi
posto no alto da lista de países
que abastecem os narcotraficantes com produtos químicos necessários à elaboração da cocaína. Já era parte dos preparativos
para a cobrança do apoio brasileiro. Provas, não houve. Mas ficou ali o prenúncio das pressões
e reações à posição que o Brasil
tem mantido: a guerra colombiana ficará ao alcance da vista
de brasileiros, mas do lado de lá
da fronteira, sem admissão do
lado de cá nem como foragidos.
As várias guerrilhas colombianas, tão férteis que as há inclusive de direita sob governo direitista, dominam mais de um terço
do território do país. Uma delas,
as Farc, sob o comando do lendário Tiro Fijo, é tão antiga que
antecedeu até a guerrilha de Fidel Castro em Sierra Maestra.
Sua penetração ao longo do país
e nas cidades comprova-se a cada dia, em milhares de sequestros e incontáveis ataques. Como
em outras de suas investidas, os
militares americanos podem
contar com resultados rápidos e
fáceis que, no entanto, talvez
não sejam uma coisa nem outra.
A hipótese de pleno êxito é, porém, considerável. Nesse caso,
em vez do desgastante combate
para valer ao tráfico no seu próprio país, o governo americano
eliminaria o principal fornecedor da cocaína à vasta população composta por seus traficantes domésticos. Mas a Bolívia, o
Peru e outros andinos também
produzem cocaína. E enquanto
existirem os grandes mercados
haverá, é o que ensinam os fundamentos do capitalismo, empenho em abastecê-los. Se a doutrina colombiano-americana pegar, vários países vão viver episódios inesperados na América
do Sul. Ou, afinal como dizia o
romantismo, dois, três, quatro
Vietnãs, por modestos que sejam.
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