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NO PLANALTO
Juros à casa-grande e bananas à senzala
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Há anos o Brasil escorrega em direção ao abismo.
Para a minoria bem-posta, o
país das profundezas é um inferno adiado. Para a maioria malnascida, o precipício chegou faz
tempo.
A bugrada assa na grelha. Sente o calor de um Estado quebrado e ingovernável. Na fila do
SUS, o sistema público de saúde,
a atmosfera é insuportável.
Em junho do ano passado,
quando o sonho de continuidade tucana ainda pulsava no comitê eleitoral de Serra, FHC concedeu um reajuste de 196% nas
consultas do SUS. Congelado havia seis anos, o valor do atendimento médico do pobre foi a R$
7,55 -o equivalente a 3,5 kg de
banana prata.
Ao trombetear a gentileza,
Brasília sonegou uma informação à plebe: o aumento premiaria só a rede privada de hospitais. Nos estabelecimentos públicos, o encontro do miserável com
o médico continuaria valendo
R$ 2,55 -1 kg de banana.
O afago aos hospitais particulares custará R$ 163 milhões ao
orçamento anual do Ministério
da Saúde. Eleito, Lula mandou
orçar a extensão do reajuste de
consultas à rede pública. Custaria R$ 490 milhões por ano. O
plano foi à gaveta. Na escrituração restritiva de Palan (mistura
de Palocci com Malan) não há
sobras nem para bananas.
Responsáveis por 70% das consultas médicas da ralé, os hospitais públicos recebiam mais dinheiro do governo do que os privados. Em junho, mês em que o
reajuste meia-sola de FHC foi
anunciado, a rede estatal amealhou repasses de R$ 15 milhões,
contra R$ 8 milhões entregues
aos particulares, que respondem
por escassos 30% dos atendimentos do SUS.
Em agosto de 2002, a coisa se
inverteu: foram R$ 16,6 milhões
para os hospitais privados e R$
15,2 milhões para os públicos. Os
números apontam para um futuro rude. Em queda livre, o sistema estatal de saúde está na bica de tatear o fundo do despenhadeiro.
Em lugares como Brasília, a
penúria juntou-se à inépcia.
Deu-se o caos. Sob Joaquim Roriz, a saúde na capital ultrapassou o fundo do abismo. Há falta
generalizada de medicamentos.
O pobre, quando resiste à fila da
consulta, não sobrevive à espera
pelo remédio. Morre de corredor.
É o caso de Andréia Cristiana
de Urany. Padecia uma fibrose
cística. Tratava-se no Hospital
de Base. Faltou-lhe o remédio.
Morreu em outubro de 2002.
Junto com a cova, abriu-se um
inquérito policial.
Ainda em outubro, Júlio César
Brasil Ferreira perdeu a mãe no
mesmo hospital. Guerreava com
um câncer. Feneceu à falta de
medicamentos quimioterápicos.
Também às voltas com um
câncer, Valdirene de Jesus Rocha
Matos foi buscar na Justiça o remédio que o hospital lhe sonegava. Obteve sentença favorável
em 10 de outubro de 2002. E nada do medicamento. Virou estatística. Juntou-se aos mortos.
Graças ao Ministério Público,
descobriu-se desvio de R$ 117
milhões do orçamento da saúde
brasiliense. Parte do dinheiro foi
enterrado em obras. Ajudou, por
exemplo, a erigir uma ponte ligando o abastado Lago Sul às
cercanias do Palácio do Planalto.
Em 12 de fevereiro de 2003, a
Secretaria de Saúde de Brasília
mantinha R$ 34,4 milhões numa
aplicação financeira do Banco
do Brasil. Sob Lula, segue o paradoxo. O Estado sonega bananas à senzala do SUS. Mas continua oferecendo o conforto dos
juros à casa-grande dos fundos
DI.
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