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JANIO DE FREITAS
Farsa, poder e mídia
Apesar de tudo ou por causa
de tudo, tanto faz, foi uma
semana excelente.
A reabertura dos cassinos de
bingo, por exemplo, não motivou
uma festança apenas para jogadores e donos do jogo. O jornalismo político também se esbaldou
com a alegada fragilidade da base governista; o governo arranjou
mais esse pretexto para presentear cargos públicos a malufistas e
peemedebistas e, você já havia
pensado nisso, vários senadores
saem com justas recompensas por
sua compreensão para com os
cassinos. Nessa expansiva alegria,
era natural que alguma coisinha
se perdesse.
Perdeu-se, não por acaso, a relevância devida à reabertura dos
bingos por apenas dois votos, 33
senadores contra 31, estando ausentes do Senado quatro senadores do PT. Mesmo os tantos recursos do "lobby" dos bingos são incapazes de negar que 31 mais 4
dariam 35 votos contra o jogo. E
pronto.
Não é toda semana, nem todo
mês, nem mesmo todo ano, que
Antonio Palocci abre uma brecha
na agenda de conversas, almoços
e jantares com banqueiros e agentes do FMI, para falar aos brasileiros sobre a sua política econômica. E expôs uma concepção
muito interessante: o Brasil voltará a crescer quando os estrangeiros, convencidos de que o país está com suas finanças arrumadas
pelo governo Lula, vierem investir
no crescimento. Ou seja, a depender da política de Antonio Palocci, jamais haverá crescimento verdadeiro. A história econômica e,
se não bastasse, a atualidade
asiática demonstram que são políticas e investimentos governamentais os impulsores do crescimento em países atrasados, só a
partir dessa preliminar havendo
interesse amplo para o capital estrangeiro produtivo.
O PT na TV ofereceu, é claro,
variadas estrelas com a missão de
transmitir-nos o que só é visto das
alturas palacianas: o governo Lula está fazendo prodígios de justiça social, de criação de empregos
no interior, redução dos juros, retomada do crescimento, queda de
preços e muito mais. Daí a observação crítica que orientou a intervenção de José Dirceu e o próprio
programa: "O governo tem só um
ano e quatro meses, não é correto
cobrar dele a solução de problemas criados durante 20 anos".
Não é correto mesmo. Talvez por
isso ninguém faça tal cobrança.
Cobrado do governo é que afinal
comece a fazer algo dos seus compromissos de campanha. Comece
afinal a resgatar também a sua
dívida com 52 milhões de pessoas.
A relação insolúvel entre farsa,
poder e mídia teve momentos de
exuberância consagradora nessa
semana de pasmo com a tortura
de iraquianos por norte-americanos e britânicos. Os congressistas
e a mídia dos Estados Unidos esqueceram as atrocidades dos seus
compatriotas no Vietnã, que tardaram tanto a reconhecer, quando a mídia européia já a mostrava por anos e anos? Desde os anos
50, os Estados Unidos espalharam
pelo mundo instrutores de métodos atrozes de interrogatório. Foram os mestres dos brasileiros, até
que suas técnicas fossem superadas pelas novas criações ensinadas por israelenses.
A mídia e os congressistas dos
Estados Unidos sempre souberam
tudo a respeito da ferocidade dos
seus militares, agentes da CIA e
policiais, até por não ter faltado
quem, de vez em quando, ousasse
furar o silêncio conivente e divulgasse os ensinamentos bárbaros
em quartéis e escolas policiais. A
reação da grande mídia foi sempre a de sufocar tais revelações. A
dos congressistas, a de exigir um
bode expiatório, em geral um sargentão idiotizado.
A relutância dos jornais e da TV
norte-americanos a adotar o assunto das atrocidades no Iraque,
tal como faz com os prisioneiros
dos Estados Unidos em Guantánamo, recebeu na semana um
adorno muito ilustrativo. Foi um
artigo, divulgado com destaque
também no Brasil, de Thomas
Friedman, ultradireitista que é o
principal articulista do "The New
York Times". Escreveu indignado
a propósito das atrocidades. O
sentido do artigo não é, porém, a
condenação das atrocidades, mas
o fato de suscitarem condenação
aos Estados Unidos, na opinião
pública mundial. Muito simples:
o mal não está nas atrocidades,
está na sua divulgação.
Como representação da atualidade e dos homens que lhe dão
forma e voz, a semana foi excelente. Pena que esses homens tenham piorado um pouco mais. E
façam o mesmo com Brasil e com
o mundo.
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