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QUESTÃO AGRÁRIA
Papéis obtidos por CPI mostram que movimento recebeu R$ 21,2 mi do exterior e R$ 8,7 mi do governo Lula
MST movimentou R$ 30 mi em seis anos
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Documentos sigilosos manuseados pela Folha revelam: apenas em verbas públicas e doações
do exterior, o MST movimentou
nos últimos seis anos pelo menos
R$ 29,9 milhões. O dinheiro transitou por três dezenas de contas
bancárias. As operações mais valiosas foram feitas no Banco do
Brasil e no Bradesco.
Quase um terço do numerário
que irrigou as contas do MST
-R$ 8,7 milhões (28,9% do total)- saiu dos cofres do Tesouro
Nacional entre junho do ano passado e julho de 2004. Ou seja, durante a presidência de Luiz Inácio
Lula da Silva.
A contabilidade do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra é um segredo bem vigiado.
A barreira de mistério foi, no entanto, traspassada no último dia
15 de junho. Em sessão tensa, a
CPI da Terra, inaugurada no final
do ano passado, quebrou os sigilos bancário e fiscal de duas cooperativas: Anca (Associação Nacional de Cooperação Agrícola) e
Concrab (Confederação das Cooperativas de Reforma Agrária do
Brasil). São os braços financeiros
mais vigorosos do MST.
Receber recursos do exterior e
do governo não constitui uma ilegalidade no cotidiano de cooperativas, que também são isentas de
pagar tributos. A Comissão Parlamentar de Inquérito decidiu investigar a Anca e a Concrab porque suspeita que parte do dinheiro que recebem pode estar sendo
desviado para custear o MST, um
movimento que não é legalmente
constituído.
As duas cooperativas gerem
uma rede de contas bancárias. Por
ora, localizaram-se 30 -21 da
Concrab e nove da Anca. Em ofício ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a CPI da
Terra requisitou o rastreamento
da movimentação bancária a partir de 1998. A encomenda começou a ser entregue em 5 de julho.
Os papéis expõem, pela primeira vez, parte expressiva dos subterrâneos financeiros do MST.
Lendo-os, pode-se esboçar um
mapa das doações que a Anca e a
Concrab recebem do exterior.
Vêm sobretudo da Europa: Bélgica, Alemanha, Itália, França, Noruega, Reino Unido e Holanda.
Entre 1998 e 2004, os donativos
às duas cooperativas do MST somaram US$ 7,5 milhões -US$
6,743 milhões rechearam as contas da Anca. O restante, US$ 772,9
mil, tonificou a contabilidade da
Concrab.
Convertido em reais pela cotação da última sexta-feira, o bolo
de recursos que veio do exterior
para as duas cooperativas do MST
alça a R$ 21,2 milhões. Injetando-se na conta os R$ 8,7 milhões que
ambas amealharam por meio de
convênios com o governo federal,
chega-se ao montante de R$ 29,9
milhões.
Declarações à Receita
Vistas assim, pelo ângulo de
suas contas bancárias, Anca e
Concrab são organizações milionárias. Uma delas, no entanto,
converte-se em entidade "sem-nada" quando observada a partir
do Imposto de Renda. Embora tenha manuseado, sozinha, pelo
menos R$ 7,1 milhões nos últimos
seis anos, a Concrab vem entregando à Receita Federal, desde
1999, declarações de rendimentos
sem valor.
As declarações contêm apenas
os dados cadastrais da entidade.
No mais, a cooperativa informa
ao fisco que seu ativo e seu passivo são iguais a zero. Também nos
campos reservados às aplicações
financeiras e ao balanço patrimonial a entidade anota: "R$ 0,00".
A Folha submeteu o caso a dois
especialistas em tributos. Disseram que, embora sejam isentas do
pagamento de tributos, cooperativas como a Concrab não estão
dispensadas de apresentar declarações fidedignas ao fisco.
A sonegação de dados sujeita a
entidade a uma ação fiscal. Arrisca-se, de resto, a ser inabilitada
para o recebimento de verbas públicas. Até a última sexta-feira, a
Concrab não havia recebido a visita de nenhum auditor da Receita
Federal.
A última vez que a Concrab
preencheu uma declaração de IR
conforme as regras do fisco foi em
1998. Declarou recebimentos de
R$ 1,1 milhão. Não mencionou a
posse nem de imóveis nem de automóveis. Seu patrimônio líquido
compunha-se de R$ 696,75, mencionados a título de "capital social
realizado". Contava com reservas
de capital de R$ 12,9 mil, acrescida
de R$ 347 mil apresentados na
forma de outros valores do patrimônio líquido. Já as dívidas somavam R$ 442,97.
"Relatório Parcial"
Na quinta-feira, chegaram aos
gabinetes dos 24 parlamentares
que integram a CPI da Terra cópias de um documento chamado
"Relatório Parcial". Foi redigido
por técnicos que assessoram a comissão. Traz a tarja de "sigiloso".
Contém um resumo analítico das
informações extraídas da papelada secreta do Banco Central.
O texto não faz menção à Anca,
cujos dados fiscais e bancários
ainda não foram esquadrinhados.
Refere-se apenas à Concrab. A
Folha obteve um exemplar da exposição. Informa o seguinte:
1) entre 1998 e 2004, a Concrab
operava em quatro instituições financeiras: Banco do Brasil, Bradesco, Caixa Econômica Federal,
Credtar (Cooperativa de Crédito
Rural do Centro-Oeste do Paraná) e Crehnor (Cooperativa de
Crédito Rural Horizontes Novos
de Novo Sarandi). Movimentou
R$ 7,1 milhões. O grosso desse valor escoou pelo Bradesco (R$ 4,2
milhões) e pelo Banco do Brasil
(R$ 2,8 milhões);
3) a Concrab recebeu 36 doações de entidades estrangeiras-
33 via Bradesco e três via Banco
do Brasil. Tudo somado, obteve
US$ 772,9 mil. Ou R$ 2,2 milhões,
em dinheiro de hoje;
5) chama-se FDH (Frères des
Hommes) o maior doador da
Concrab. Responde por 43% dos
recursos vindos do exterior (US$
331 mil). Realizou 20 das 36 remessas. Vieram ora da Bélgica,
ora da Alemanha;
6) no sítio que mantém na internet (www.france.fdh.org), a Frères des Hommes define assim o
movimento dos sem-terra: "Num
país onde 43% das terras estão
concentradas nas mãos de 1% da
população, o MST luta para que o
acesso à terra, embora previsto
pela Constituição há mais de 50
anos, seja enfim efetivado". Para a
entidade, foi graças à "inércia das
autoridades" brasileiras que o
"MST pôs em prática uma estratégia de ocupação e recuperação
de terras";
7) há entre os doadores internacionais da Concrab duas entidades religiosas: a católica Secours
Catholique (França) mandou US$
59,9 mil em três remessas. A ecumênica Kirkens Nodhjelp (Noruega) enviou US$ 54,9 mil, também em três parcelas;
8) a relação de doadores inclui
ainda o Fortuna Banque. Remeteu, desde Luxemburgo, US$ 44
mil. Pode não ser um doador direto. É possível que tenha funcionado como mero intermediário;
9) a relação preparada pelo Banco Central inclui ainda um doador "identificado" com uma indecifrável seqüência numérica: "/
210083151987". Mandou da Bélgica, em remessa única, US$ 92,3
mil;
10) uma instituição italiana chamada Consorzio CTM Altromercato doou à Concrab US$ 59,9
mil. Também da Itália vieram os
US$ 71,9 mil doados por uma organização denominada Senza
Terra Brasile;
11) de resto, figuram como financiadores da Concrab a britânica Intertional Agencies BKG
(US$ 26,6 mil), o holandês Movimento para la Integracion (US$
18,5 mil) e a italiana Silvestro Profico P/C Ociazione (US$ 12,8 mil).
O "Relatório Parcial" dos técnicos da CPI da Terra anota que o
Banco Central ainda não enviou
ao Congresso toda a documentação que lhe foi requisitada. Por
ora, os dados disponíveis permitem detectar apenas a origem do
dinheiro da Concrab.
Não chegaram as cópias de cheques e ordens de pagamento que
permitirão refazer o caminho do
dinheiro que sai das cooperativas.
É o único modo de identificar os
beneficiários dos saques e transferências de recursos. Faltam também documentos da Caixa Econômica Federal. Remeteu-se ao
Banco Central um novo pedido
de informações.
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