São Paulo, domingo, 11 de agosto de 2002

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JANIO DE FREITAS

Além das miudezas

O insucesso da candidatura de José Serra excede todas as explicações, por mais que algumas sejam fundadas, e se aproxima do imponderável, das razões tão subjetivas que fogem à apreensão.
A recusa à candidatura, agora disseminando-se no eleitorado que chegou a apoiá-la, não se limita a inverter o efeito de fatos mais favoráveis a Serra do que ao seu competidor imediato, Ciro Gomes. O grau de recusa é desproporcional até ao próprio José Serra, cuja desempenho como político e como ex-ocupante de cargos públicos não é compatível com rejeição que o ponha no fundo de pesquisas eleitorais.
A nova queda que levou Serra a empatar com o desprovido e desamparado Anthony Garotinho em 11 pontos, no último Ibope, seguiu-se a uma série de questionamentos a afirmações de Ciro Gomes, com o propósito de caracterizá-lo como "inconsistente" e "inverdadeiro", segundo as palavras usadas por José Serra ao lançar a tática logo adotada e ampliada pela mídia. Nada de relevante, chutes típicos de político, miudezas como a inflação em julho de 94, em que colégio Ciro estudou, quantos dólares valia o salário mínimo quando Ciro foi ministro da Fazenda também em 94. Mas as miudezas deveriam retirar alguns pontos de Ciro. Foi Serra quem os perdeu, no entanto. Como e por que, não se explicou.
E, pior, a invocação de "inconsistências" e "inverdades" começa a voltar-se contra Serra, com a constatação de que o seguro-desemprego não foi criação sua, como tem dito, mas de José Sarney; não deu ao lançamento do Plano Real o apoio agora "rememorado", nem foi o senador mais votado do Brasil. Miudezas típicas de político-candidato.
Mas, já que a mídia entrou neste caminho sugerido por Serra, não faltarei com a colaboração devida. E nada de miudezas. No debate pela Bandeirantes, em que lançou a tática anti-Ciro, Serra se referiu a US$ 2 bilhões que o Estado do Rio recebe, como participação na renda do petróleo extraído de seu território. Nisso se atribuiu uma contribuição ao Rio, como parlamentar.
O Brasil se movimenta com o petróleo proporcionado pelo Estado do Rio. O petróleo é produto, e a Constituição autoriza os Estados a cobrar o imposto de circulação de mercadoria sobre os produtos fornecidos a outros Estados. Todos os produtos, não. Uma breve alínea proíbe o recebimento do imposto "sobre as operações que destinem a outros Estados petróleo (...)".
Introdutor, na Constituinte, da ressalva perversa que nega ao Estado do Rio muito mais bilhões do que os dois citados: o então deputado José Serra. Como o Rio poderia ser outro, não fosse a discriminação introduzida contra o Estado, nele faz alguma justiça o último lugar em que os eleitorados fluminense e carioca, mesmo sem saber da tal alínea, mantêm Serra.
A crença de que a sorte de José Serra só será decidida no horário eleitoral gratuito, com o trabalho dos seus marqueteiros, não é recusável a priori. Nem o é, também, a dependência que a sorte de um candidato tem do desempenho alheio, no caso, o de Ciro Gomes. Mas os bispos e cardeais da candidatura de José Serra que ainda pensavam assim, até o último Ibope, deixaram de fazê-lo. E perderam a cerimônia para dizê-lo.

Para trás
Sufocado pelo Festival FMI, com que o governo e a mídia comemoraram os US$ 30 bilhões que vêm inflar ainda mais a dívida brasileira, saiu o balanço do desempenho econômico do país no primeiro semestre. A produção industrial caiu 0,1% e as vendas da indústria caíram 1,84%, em comparação com a do primeiro semestre de 2001.
Desastrosos embora, para um país que precisa desesperadamente de crescimento econômico, esses números são ilusórios. Não se deve esquecer, embora o noticiário não quisesse lembrar, que as duas quedas estão comparadas com o semestre em que, no ano passado, a indústria e o comércio já estavam amputados pelo racionamento de energia elétrica.
As quedas reais são muito mais gritantes, mas adequadas a um país que está andando para trás.

Esclarecimento
O endereço eletrônico registrado como "janiodefreitas" não é meu, nem de pessoa a quem conheça.



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