São Paulo, domingo, 12 de janeiro de 2003

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BALANÇO

Registro federal conseguiu reunir menos de 60% das famílias brasileiras que vivem hoje em extrema pobreza

Cadastro social de FHC deixa de fora 16 milhões de pobres

RANIER BRAGON
DA AGÊNCIA FOLHA

O governo Fernando Henrique Cardoso chegou ao fim sem conseguir reunir no seu Cadastro Único dos Programas Sociais mais do que 60% das famílias brasileiras consideradas em extrema pobreza, o que deixa de fora deste registro federal mais de 16 milhões de miseráveis.
Iniciativa tomada em julho de 2001, o cadastro único já consumiu cerca de R$ 100 milhões em sua execução e prevê a reunião, em uma única lista, dos dados de todas as 9,3 milhões de famílias que vivem com menos de R$ 100 mensais por pessoa (estimativa relativa ao ano de 1999).
O objetivo principal é garantir a todas elas o acesso a pelo menos um dos benefícios federais atualmente vigentes, como o Bolsa-Escola, o Auxílio-Gás e o Bolsa-Alimentação. O cadastro é uma referência fundamental para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva, que tem no social uma de suas prioridades no início de governo.
A previsão era a de que o cadastro -que tem como intermediário as prefeituras, responsáveis em identificar e providenciar a inscrição das famílias- fosse finalizado em dezembro de 2001.
No final de 2002, porém, só 58% das famílias pobres (5,4 milhões) tinham os seus dados armazenados nos arquivos do governo.
Isso significa que cerca de 4 milhões de famílias em extrema pobreza, o que dá cerca de 16,3 milhões de pessoas, podem não estar recebendo nenhum tipo de benefício do governo federal.
Há outros cadastros em vigor, como o do Bolsa-Escola, mas o governo não sabe se essa lista já foi absorvida totalmente pelo cadastro único ou se há alguma separação, o que aumentaria o número de beneficiados. Ou seja, o número de famílias pobres atendidas pela União pode ser maior, mas só há a certeza do recebimento para 58% delas.
A Agência Folha ouviu nos últimos meses de governo, especialistas e representantes dos municípios sobre a questão e constatou um fogo cruzado: de um lado, o governo diz que grande parte do atraso se deve ou à inoperância, ou ao desinteresse, ou à falta de estrutura das prefeituras para cadastrar suas famílias pobres.
Representantes dos municípios rebatem com três argumentos básicos: a demanda seria muito maior do que o número de benefícios oferecidos, haveria uma burocracia demasiada no processo de inscrição e, por fim, toda a parte operacional caberia às prefeituras, sendo que muitas delas não dispõem de recursos para a tarefa.
"O governo cria uma falsa expectativa de que todos vão receber, mas, quando há a restrição, os que ficam de fora vão xingar é o prefeito", afirma o presidente da Confederação Nacional dos Municípios, o prefeito de Mariana Pimentel, no Rio Grande de Sul, Paulo Ziulkoski (PMDB).
Ele afirma que os municípios, que arcariam com toda a tarefa de executar os programas federais, nunca foram chamados para discutir as formas de financiamento e operação dos programas.
"O Fome Zero [projeto do governo do PT que tem por objetivo acabar com a fome no país", por exemplo: fica o doutor fulano e o doutor beltrano, todos personalidades, discutindo nos gabinetes, mas pode ter certeza, quando entrar em funcionamento, vai cair tudo nas costas dos prefeitos."
Ziulkoski diz ainda considerar "chutômetro" a afirmação de que 60% das famílias pobres recebem benefício federal. Segundo ele, esse número é menor. Em seu município, afirma, aproximadamente 90 famílias recebem o Bolsa-Escola, mas o número necessário de benefícios seria de 150.

Avanço, com restrição
A coordenadora nacional da Pastoral da Criança, Zilda Arns, diz ver "enormes avanços" na área social durante o governo de Fernando Henrique Cardoso e que os projetos, incluindo o cadastro, devem ser aperfeiçoados.
"Eles devem ter continuidade, não dá para parar ou começar de novo. Isso tudo custa muito dinheiro, esforço. Jogar fora desestimula todo mundo", afirma.
Arns ressalta que, pela experiência da Pastoral, também constata que há muita família sem auxílio federal, principalmente nas cidades mais miseráveis do Brasil.
"A história do pobre é essa, é sempre o miserável que recebe menos, sou testemunha de que o governo quer chegar lá, tem os recursos, mas falta capacitação, estrutura ou interesse das prefeituras", diz a coordenadora.


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