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NO PLANALTO
Conheça as entranhas
do maior tribunal
regional do país
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Sabe-se que a Justiça brasileira é cega, opera uma
balança meio desregulada e empunha uma espada sem corte.
Como se não bastasse, a vetusta
senhora foi flagrada em São
Paulo dando bom-dia à insensatez.
Saiba o que se passou, em dez
atos:
1) no dia 11 de maio de 2000, o
"Diário Oficial" da União publicou a lei 9.968. O texto amplia os
quadros do TRF-3 (Tribunal
Regional Federal da 3ª Região).
Abriram-se 16 novas vagas de
juízes. O número de togas saltou
de 27 para 43;
2) o TRF-3 fica na capital paulista. Julga os casos originários
de São Paulo e Mato Grosso do
Sul. A lei que tonificou-lhe a estrutura foi sugerida pelo STJ
(Superior Tribunal de Justiça).
Chegou ao Congresso escorada
em estatísticas;
3) entre 1989 e 1998, distribuíram-se 2,3 milhões de processos
à segunda instância da Justiça
Federal em todo o país. Desses,
843,7 mil (37%) rechearam os
escaninhos do TRF-3. Em janeiro de 2001, havia no tribunal um
estoque de 337,7 mil processos à
espera de julgamento. Média de
12,5 mil casos para cada juiz;
4) a magnitude dos números
comoveu Brasília. O Congresso
aprovou o projeto a toque de
caixa. Entre discussão e votação,
consumiram-se exíguos três meses. FHC sancionou-o sem hesitação;
5) esperava-se que o TRF-3
preenchesse de um fôlego os novos cargos. Sobreveio, porém, o
inusitado: decorridos dois anos,
os 16 cargos continuam vagos.
Somaram-se a eles outros quatro, abertos graças à aposentadoria de juízes;
6) poder-se-ia imaginar que
santo Ivo, o padroeiro dos advogados, houvesse operado um milagre. E que os juízes do TRF-3,
gotejando suor, tivessem posto
abaixo a montanha de processos, tornando desnecessário o
reforço antes tido como coisa de
vida ou morte. Sucedeu, porém,
coisa diversa;
7) o Conselho da Justiça Federal informa na internet
(www.cjf.gov.br) que, ao final de
2001, o encalhe do TRF-3 somava 457,5 mil processos. Quase
meio milhão de casos. Com as
gavetas a transbordar, o tribunal convocou um mutirão de 21
juízes de primeira instância para socorrê-lo;
8) lista divulgada no "Diário
de Justiça" de 25 de fevereiro revelou os rostos escondidos atrás
da encrenca. Therezinha Cazerta, a juíza do TRF-3 em situação
mais cômoda, tinha diante de si
uma pilha de 2.707 processos
por julgar;
9) André Nabarrete, o juiz
mais encalacrado, encontrava-se no final de fevereiro espremido sob 27.188 casos pendentes de
julgamento. Deixando de receber casos novos, se resolvesse
trancar-se em seu gabinete, com
o sacrifício de sábados, domingos e feriados, devorando dois
processos por dia, gastaria 37
anos para digerir todos eles. A
lista traz juízes com 20 mil, 19
mil, 17 mil, 16 mil, 15 mil, 14 mil
processos no colo. Um assombro;
10) assim como o TRF paulista, os outros quatro tribunais regionais espalhados pelo país
também tiveram suas estruturas
vitaminadas em 2000. Abriram-se entre quatro e nove vagas novas de juízes em cada um deles.
Encontram-se todas preenchidas. O que faz do caso de São
Paulo uma exceção ainda mais
vistosa.
O repórter tentou ouvir o juiz
Márcio Moraes, atual presidente do TRF-3. Mas ele preferiu o
silêncio. Diz-se à boca miúda
que faltou espaço para instalar
os novos juízes. Só agora estariam ficando prontos oito dos 16
gabinetes necessários para abrigá-los. Bobagem.
Deixou-se de prover as vagas
porque os juízes que hoje controlam o TRF-3 temem perder
poder. A entrada em cena de togas novas mudaria a correlação
de forças dentro do tribunal. Pura política corporativa.
Dá-se de ombros para o interesse da bugrada que aguarda
na fila o julgamento de processos. Juízes recebem semanalmente cartas de brasileiros em
desespero. Há entre as causas
por julgar, por exemplo, milhares de questões previdenciárias.
Com um pé na cova, os demandantes vão ao desespero. Contam-se às centenas, de resto, os
casos de crimes que prescrevem
por falta de julgamento.
Abespinhados, procuradores
da República lotados no Estado
de São Paulo abriram um inquérito civil para apurar os motivos que levam o TRF-3 a postergar o provimento dos 16 novos cargos. Patrocinam a ação 11
procuradores: Adilson Amaral
Filho, André Ramos, André Bertuol, Antônio José Dalóia, Duciran Farena, Edmar Machado,
Jefferson Aparecido Dias, Pedro
Machado, Pedro Neto, Rodrigo
Valdez e Uendel Ugatti.
A sorte de certos tribunais é
que o brasileiro, de tão maltratado, já se acostumou ao papel
de bobo. Há como que uma
compulsão nacional pelo conformismo. Estão abusando da
tolerância. Tudo tem limite.
Do armário de esqueletos: encontra-se em fase de alegações
finais o processo do grampo do
BNDES. Em texto remetido à
Justiça, o Ministério Público repisa a convicção de que o grampo foi urdido pela máquina de
espionagem do próprio governo.
Pede-se a condenação de três integrantes dos quadros da Abin à
época do grampo -Temílson
Resende, João Guilherme dos
Santos e Gerci Firmino da Silva- e de um detetive particular
que prestava serviços à agência
oficial de espionagem -Adilson
Alcântara de Matos.
Pressa: antecipando-me à eliminação dos nefastos resquícios
da era Vargas, saio em férias.
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