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RODA DA FORTUNA
Cada apostador teve em média 45 bilhetes premiados; ao todo, o grupo abocanhou R$ 64,8 milhões
200 pessoas ganham 9.095 vezes em loterias
RUBENS VALENTE
DA REPORTAGEM LOCAL
Um grupo de 200 pessoas ganhou 9.095 vezes em loterias da
CEF (Caixa Econômica Federal)
entre março de 1996 e fevereiro de
2002. Cada apostador desse grupo
teve em média 45 bilhetes premiados -um número praticamente
impossível de ser alcançado caso
os jogadores não se dispusessem a
gastar com apostas sempre muito
mais do que ganhariam, segundo
matemáticos ouvidos pela Folha.
Ao todo, o grupo ficou com R$
64,8 milhões.
Com base num primeiro levantamento do Coaf (Conselho de
Controle de Atividades Financeiras) do Ministério da Fazenda,
com 30 nomes, divulgado em
março de 2003, a Polícia Federal
abriu em junho último cerca de 20
inquéritos só em São Paulo para
investigar os sortudos.
Mas o relatório total de 228.794
premiações, ao qual a reportagem
teve acesso, revela outros casos de
número de premiações acima da
média. Pelo menos dois casos são
de parlamentares. Eles não são investigados a respeito.
O deputado federal Francisco
Garcia Rodrigues (PP-AM) e seu
filho acertaram 43 vezes em 21 jogos diferentes entre os anos de
1996 e 2000 (cinco jogos do deputado, 16 de seu filho). O deputado
Fernando Lucio Giacobo (PL-PR), 30, acertou 12 vezes em oito
jogos num único e reduzido espaço de tempo: de 5 a 19 de junho de
1997. Levou ao todo R$ 134 mil.
Numa série impressionante,
Giacobo acertou em três concursos seguidos da Mega Sena, 65, 66
e 67, e em dois seguidos da Quina,
305 e 306. "Só tem sorte. E existe
Deus, ele deu uma olhadinha lá e
uma benzida", disse Giacobo.
Em São Paulo, um delegado da
Polícia Civil venceu 17 vezes em
concursos e tipos de jogos diferentes também num único e curto
período: de 8 de agosto a 16 de novembro de 2001.
O delegado de Polícia Civil Luiz
Ozilak Nunes da Silva, 50, da Decap (Delegacia de Capturas) da
Capital teve prêmios com sete bilhetes da Mega Sena, três da Federal, dois da esportiva, dois da instantânea, dois da Lotomania e um
da Supersena.
Como o deputado Giacobo, o
delegado nunca havia vencido antes disso. E nunca mais voltou a
vencer. Segundo ele, parou de jogar em seguida, muito embora tivesse recebido R$ 355 mil. "Eu
não acredito na sorte. Eu não
aconselho isso [jogar]. Cada um
tem sua vida, cada um sabe o que
faz com o seu dinheiro", disse.
Ele está sendo investigado na
corregedoria da polícia a pedido
do Ministério Público por supostos "indícios de crime de lavagem
de dinheiro por meio de loterias".
Seqüências
O deputado Francisco Garcia
Rodrigues e seu filho receberam
R$ 811 mil em jogos federais.
Num período de apenas 14 dias
-26 de maio a 9 de junho de
1998-, seu filho firmou uma
marca inesquecível. Venceu em
três concursos seguidos da loteria
esportiva, os de número 227 (R$
22 mil), 228 (R$ 10,6 mil) e 229
(R$ 14,3 mil). Em outra seqüência,
já havia acertado no 192 e no 193
(R$ 132 mil). Poucos dias antes,
no concurso de número 185, seu
pai havia recebido R$ 409 mil.
O deputado disse que jogava toda semana e hoje não joga mais,
mas não se lembrou do endereço
da lotérica em que fazia as apostas. Primeiro, disse que gastava
"R$ 100, R$ 200" por semana. Depois, disse não lembrar corretamente. Após ter atribuído as vitórias ao seu conhecimento de futebol e ao volume de apostas, também disse que usava "um computador" (leia texto à pág. A16).
A chance de uma seqüência de
prêmios ocorrer está perto do zero, segundo estatísticos consultados pela reportagem. Segundo
eles, também "não existe" computador capaz de produzir uma
fórmula que garanta uma aposta
vitoriosa. Basta ver que 98,6% do
total de 168.172 pessoas premiadas alguma vez entre 1996 e 2000,
em todo o país e em todas as formas de jogo, acertou somente até
quatro vezes.
A imensa maioria do grupo de
apostadores sorteados relacionados pelo Coaf (cerca de 148 mil
premiados) só foi premiada uma
ou duas vezes (88% e 95,8%, respectivamente).
Fenômeno
No grupo dos 200, o líder em ganhar em loterias é um apostador
paulistano que foi premiado 353
vezes (R$ 2,8 milhões).
No primeiro relatório do Coaf, a
imprensa divulgou que o comerciante Amauri Gouveia havia sido
premiado em 25 concursos. O relatório integral, contudo, mostra
que Gouveia é um fenômeno
muito maior. Ele acertou em 96
concursos da Quina, em 33 concursos na Mega Sena, em 25 da
Loteria Federal e em 9 da loteria
esportiva, além de outras modalidades. Até na raspadinha Gouveia
impressiona: ele acertou nos concursos de número 60, 61, 64, 78,
88, 89, 90 e 91.
A freqüência de acertos de Gouveia na Quina (153 bilhetes premiados em 96 concursos) é inacreditável sob qualquer ponto de
vista. Entre os concursos 501 e
529, ele simplesmente deixou de
acertar em apenas dois. No resto,
uma ou várias vezes, Gouveia
sempre ia ao guichê de uma agência da Caixa Econômica Federal
para receber seu prêmio. Como se
fosse um salário semanal.
A história de Gouveia é ainda
mais misteriosa quando se considera que seus dois irmãos, Alécio
Pedro e Adilson, também estão
entre os seis maiores vencedores
da lista, com 332 e 297 premiações. Ao todo, os irmãos levaram
para casa R$ 7 milhões.
A Folha comparou os números
dos concursos dos três, e encontrou poucas coincidências, o que
afasta a hipótese de os altíssimos
números de acertos se tratarem
de vitórias em bolões familiares.
Os três irmãos possuem um supermercado na Vila Nova Cachoeirinha, na periferia de São
Paulo. Procurados nos últimos oito dias, responderam por meio do
gerente-geral do supermercado,
Edson Andrade: "Eles não têm
nada a declarar. Esse é um assunto fiscal, cabe explicar ao fisco".
19 esportivas
Há vários outros casos que chamam a atenção pela seqüência de
vitórias num único período. Um
apostador, identificado nominalmente pela reportagem, mas não
localizado, venceu em 19 concursos da loteria esportiva somente
entre janeiro de 2000 e novembro
de 2001, quase sempre com valores expressivos. No dia 8 de fevereiro de 2000, ele levou R$ 399,7
mil. Catorze dias depois, papou
mais R$ 36 mil.
Em março de 2001, esse apostador faturou R$ 249,4 mil na esportiva. Menos de seis meses depois,
recebeu outros R$ 260,2 mil. Os
jogos lhe renderam ao todo R$
1,85 milhão.
Colaborou MARCELO BILLI, da Reportagem Local
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