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PODER EM QUESTÃO
Normas do Ministério Público, ainda em análise, são tentativa de reverter provável decisão desfavorável do STF
Procuradoria quer disciplinar investigações
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O Ministério Público Federal vai
baixar um conjunto de normas
com o objetivo de disciplinar investigações criminais conduzidas
por procuradores da República.
As regras constam de uma resolução interna.
A Folha obteve uma cópia do
texto. Contém 19 artigos, expostos em cinco laudas. O documento encontra-se atualmente sob
análise do Conselho do Ministério Público, a quem cabe aprová-lo. Esse conselho é integrado por
dez procuradores, entre eles o
procurador-geral da República,
Claudio Fonteles.
Hoje, os procuradores da República promovem investigações
penais em atmosfera de franca
autonomia. São senhores da própria conduta. À falta de balizamentos, sujeitam-se à acusação
de uso discricionário do poder
que detêm.
Os delegados da Polícia Federal,
no entanto, não levam a sério a intenção do Ministério Público de
baixar norma para disciplinar o
trabalho de investigação dos procuradores. Afirmam que isso não
terá o devido peso legal.
O STF (Supremo Tribunal Federal) está acenando com a possibilidade de proibir o Ministério
Público de realizar investigações
penais. Relator de processo em
vias de ser julgado pelo plenário
do tribunal, o ministro Marco Aurélio de Mello concluiu que somente a polícia pode promover
inquéritos criminais.
A resolução do Ministério Público é uma tentativa de reverter a
tendência do STF, hoje desfavorável aos procuradores.
Planeja-se baixar as novas regras até agosto, antes que seja feito o pronunciamento definitivo
do Supremo.
Eufemismo
Numa tentativa de distinguir o
trabalho dos procuradores da atividade policial, o texto da resolução do Ministério Público evita o
uso da expressão "inquérito criminal". Vale-se de um eufemismo: "procedimento investigatório criminal".
Eis as normas que constam da
resolução:
1) o "procedimento investigatório" pode ser iniciado por provocação de alguém ou por iniciativa
dos procuradores;
2) eventuais denunciantes devem ser "identificados e qualificados". Precisam fornecer inclusive
o endereço;
3) a abertura da investigação deve ser formalizada em portaria. O
documento deve conter uma
"descrição dos fatos a serem investigados";
2) instaurada a apuração, o procurador responsável terá um prazo de dez dias para comunicar o
fato à Justiça;
3) se deparar com fatos novos
no decorrer da investigação, o
procurador poderá abrir novos
"procedimentos investigatórios".
Tantos quantos ele julgar que sejam necessários;
4) o procurador poderá ouvir
pessoas, requisitar informações e
documentos de órgãos públicos,
determinar a realização de perícias, vistorias e inspeções;
5) desde que munido de uma
autorização judicial, ele poderá
também monitorar escutas telefônicas e acompanhar operações de
busca e apreensão;
6) intimações para depoimentos terão que ser expedidas com
uma antecedência mínima de 48
horas, "respeitadas as prerrogativas" dos depoentes. Têm, por
exemplo, o direito de levar advogados;
7) em caso de desatendimento
injustificado à notificação, o procurador poderá determinar a
condução coercitiva de testemunhas. Caso se faça necessário, ele
poderá requisitar os serviços da
polícia;
8) uma vez identificados eventuais responsáveis por infrações
penais, o procurador será obrigado a tomar-lhes o depoimento;
9) os investigados terão amplo
acesso ao processo. Se desejarem,
poderão requerer a realização de
diligências. O procurador dirá se
devem ou não ser feitas. Terá de
formalizar a decisão em despacho, de cujo teor o investigado será informado;
10) o prazo da investigação será
de seis meses. Prorrogáveis pelo
mesmo período. "Quantas vezes
forem necessárias". O procurador
terá de fundamentar à Justiça, por
escrito, as razões de eventuais
prorrogações;
11) as investigações serão públicas, "salvo disposição legal em
contrário". O próprio procurador
deve decretar o sigilo das apurações quando necessário;
12) em princípio, só terão acesso
ao processo os investigados, seus
procuradores ou terceiros mencionados nos autos. Mas, se julgar
conveniente, o procurador poderá prestar informações "ao público em geral", respeitando "o princípio da não culpabilidade" e observando as "hipóteses legais de
sigilo";
13) concluída a investigação, o
procurador poderá formalizar
ação penal. Porém, se ficar evidenciada a "inexistência de fundamento para a propositura de
ação", será obrigado a arquivar o
caso, dando ciência à Justiça em
cinco dias;
14) os denunciantes também serão informados do arquivamento. Poderão recorrer da decisão.
Em despacho, o procurador dirá
se aceita ou não o recurso;
15) casos arquivados poderão
ser reabertos se surgirem novas
provas que justifiquem o gesto.
Além de disciplinar investigações criminais, o Conselho do Ministério Público vai editar uma segunda resolução disciplinando
apurações de natureza cível. As
normas das duas são, em essência, bastante semelhantes.
Ambas serão divulgadas simultaneamente. Espera-se que tenham o condão de passar à sociedade e sobretudo aos ministros
do STF a impressão de que, doravante, investigações do Ministério
Público não serão realizadas, em
nenhuma hipótese, ao sabor do
arbítrio.
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