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CONFLITO AGRÁRIO
Análise foi feita no último ano do governo FHC e teve financiamento e apoio técnico do próprio governo
Apesar de pôr em xeque os números oficiais, método
não foi contestado por ministro, que prefaciou o livro
FHC assentou 44% a menos do que disse
DA REPORTAGEM LOCAL
DA AGÊNCIA FOLHA
Um estudo feito no último ano
do governo de Fernando Henrique Cardoso, com financiamento
e apoio técnico do próprio governo, apontou a existência de
328.825 famílias de trabalhadores
rurais em assentamentos criados
pelo Incra no período 1995-2001.
O número é 44% inferior às
584.655 famílias anunciadas em
fevereiro de 2002 para o mesmo
período pelo então ministro do
Desenvolvimento Agrário, Raul
Jungmann.
Entre março e setembro do ano
passado, a Folha publicou série de
reportagens que indicava inflação
nos balanços do ministério, com a
contagem de áreas abandonadas
e sem infra-estrutura mínima
(água, luz e esgoto).
Embora a pesquisa negue a propaganda do governo, o ministro
do Desenvolvimento Agrário na
época em que o estudo foi concluído, em dezembro último, José
Abrão, não contestou a metodologia da equipe da USP.
Pelo contrário. No prefácio do
livro, Abrão escreveu: "Esta parceria com entidades do nível e da
qualidade das acima citadas
[USP, FAO e IBGE] empresta à
pesquisa que aqui temos o prazer
-e o dever- de divulgar, uma
indiscutível credibilidade".
Coordenador do estudo "A
Qualidade dos Assentamentos da
Reforma Agrária Brasileira", o
engenheiro agrônomo da USP
Gerd Spavorek, 41, confirmou
que "alguns" assentamentos indicados pelo ministério "não foram
localizados" ao longo da pesquisa,
sem citar números.
"Acredito que a diferença entre
os números se deva à forma pela
qual o Incra [Instituto Nacional
de Colonização e Reforma Agrária] contabiliza seus assentados,
mas é o Incra que deve responder
sobre isso, que não foi o objeto do
nosso trabalho", disse Spavorek.
O dado sobre as 328.825 famílias aparece uma única vez, numa
tabela na página 44. Em nenhum
momento a possível contradição
entre o que o governo dizia e o
que foi encontrado no campo é
analisada nas 204 páginas do estudo. "Não queremos jogar lenha
nessa fogueira", disse Spavorek,
que preferiu não revelar quanto
recebeu pelo trabalho. O custo da
pesquisa foi de R$ 2,17 milhões.
Os assentados não foram contados um a um. Apesar disso, o governo chegou a dar o nome de
"censo" à pesquisa, em textos distribuídos à imprensa. O "censo"
foi anunciado em maio de 2002,
após as reportagens da Folha.
Em alguns assentamentos, "cerca de 30", os pesquisadores foram
barrados pelo MST, mas isso, segundo Spavorek, não atrapalhou
o resultado. Os 30 assentamentos
são 0,7% dos 4.430 locais que teriam sido visitados.
Uma pista para entender a disparidade entre os números oficiais e a pesquisa é dada por Spavorek: "Só contamos assentamentos efetivamente criados por
meio de portaria no "Diário Oficial" da União no período 1995-2001". Ou seja, Spavorek não levou em conta atos administrativos que não geraram aumento
real de terras para reforma agrária
nem assentamento de famílias,
mas que o governo contava como
"assentamentos".
Também não foram contados
projetos do Banco da Terra (aquisição direta da área). Segundo auditoria do governo, foram beneficiadas por esse programa 25.771
famílias até dezembro de 2001.
Mesmo com essa soma, ainda há
diferença de 41,5% em relação ao
dado de fevereiro de 2002.
(RUBENS VALENTE e EDUARDO SCOLESE)
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