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CONFLITO AGRÁRIO
Até 1999, índice de Gini variou pouco; em 2000, houve diminuição, mas devido a mudanças na metodologia
Comparação com outros países nem sempre é possível,
por causa de diferenças na forma de cálculo do índice
Concentração de terra não muda desde 67
GUILHERME BAHIA
DA REDAÇÃO
A concentração de terras no
Brasil se manteve estável num nível relativamente alto de 1967 a
1999, segundo dados das estatísticas cadastrais do Incra (Instituto
Nacional de Colonização e Reforma Agrária). O índice de Gini, que
varia de zero a um, oscilou entre
0,831 e 0,854 no período. Quanto
mais próximo de um, maior é a
concentração, ou seja, mais terras
estão nas mãos de poucos proprietários.
No ano 2000, o índice baixou
para 0,802, mas esse número não
é comparável com os dos anos anteriores porque a metodologia do
cálculo foi alterada. A mudança
foi feita num estudo apresentado
durante a gestão de Raul Jungmann no Ministério do Desenvolvimento Agrário, de abril de 1996
a abril de 2002 -até dezembro de
1998, a pasta se chamava Ministério de Política Fundiária.
A série calculada pela metodologia antiga mostra que a região
Sul do país tem a menor concentração (índice 0,716), seguida pela
região Sudeste (0,764) -os dados
são de 1999. Em 1998, o Estado
com menor concentração era
Rondônia (0,644), e o mais concentrado era o Amazonas (0,929).
Rondônia teve uma forte queda
no índice de concentração, já que
em 1967 ele era de 0,948. A razão,
segundo explica Paulo Barbosa,
coordenador do estudo de 2000,
foram os projetos de colonização
e assentamento da década de 80.
Na mesma década, a região
Centro-Oeste teve uma significativa diminuição na concentração
de terra, com o índice passando
de 0,831 em 1978 para 0,797 em
1992. Essa redução também se
deu no contexto da ocupação do
cerrado e do sul da Amazônia. Segundo Barbosa, resultou do desmembramento de fazendas no
norte de Mato Grosso e no Tocantins, ocorridas à medida que a
ocupação avançava.
Há quem minimize a importância de medir a concentração fundiária pelo índice de Gini. José Eli
da Veiga, professor de economia
agrícola da USP, argumenta que
mais relevante é saber quanto da
terra é ocupada pela agricultura
familiar e quanto é ocupada pela
agricultura patronal e verificar
qual das duas formas de produção predomina. "Quando predomina a agricultura familiar, mesmo que haja concentração da propriedade da terra, ela é bem menos nociva, porque não impede a
distribuição das demais riquezas,
além de engendrar forte distribuição da renda", afirma ele.
Alterações no cadastro
Uma das mudanças que o estudo de 2000 incorpora é que cada
lote dos assentamentos de reforma agrária foi considerado uma
área individual. Já os estudos anteriores apenas reproduziam os
dados do cadastro de imóveis.
Nele, o conjunto dos lotes que formam cada assentamento permanece registrado como se fosse a
antiga fazenda desapropriada para a implantação do projeto.
Barbosa argumenta que considerar cada lote como uma área individual reflete melhor a realidade. Deve-se observar, porém, que
o assentado não se torna proprietário da área até que tenha quitado os financiamentos do governo.
Em muitos casos, ele não prospera e abandona o lote antes disso.
Outra alteração é que foram excluídos do cadastro de imóveis 93
milhões de hectares de terras que,
segundo Jungmann, só existiam
no papel. Os títulos desses imóveis foram cancelados, mas há
contestações na Justiça.
A região Norte foi aquela cujo
índice sofreu maior impacto com
essa mudança: baixou de 0,859
em 1999 para 0,715 em 2000.
Em 2000, o cálculo do índice de
Gini também não considerou, como era feito nos anos anteriores,
terras públicas, embora elas permaneçam no cadastro de imóveis.
Outros países
A comparação do índice brasileiro com o de outros países nem
sempre é possível. O Brasil não
exclui terras não-agriculturáveis,
como as reservas florestais, do
cálculo do índice. Isso inviabiliza,
por exemplo, a comparação do
índice de Gini brasileiro com o canadense. No Canadá, as áreas geladas do norte não são consideradas, e o país teve em 2000 um índice de 0,602, o menor entre 22
países das Américas -o maior,
0,928, é o de Barbados. O Brasil
tem o nono menor índice, ficando
à frente do Uruguai (décimo) e da
Argentina (16º) e atrás do México
(segundo) e dos EUA (terceiro).
O fato de o cadastro do Incra ser
declaratório -são os proprietários que dão as informações-
também prejudica a análise. Isso
pode gerar distorções no registro
do tamanho dos imóveis.
É comum que as terras sirvam
de garantia para a tomada de empréstimos. Assim, há um incentivo para declarar uma área maior
que a área real para conseguir um
empréstimo maior. Por outro lado, como o ITR (Imposto Territorial Rural) é um imposto progressivo, há também um estímulo
contrário -os fazendeiros prefeririam declarar uma área menor
para pagar menos imposto.
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