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JANIO DE FREITAS
Promessa branca
A providência escolhida para atenuar a crise da não-intervenção no Espírito Santo
avança com mais vigor para a ilegalidade do que para o Estado em
desordem. Já no nome que lhe
deu o novo ministro da Justiça,
Paulo de Tarso Ribeiro, a medida
se denuncia: "intervenção branca" é a que não se faz de pleno direito e plena efetividade.
O método operacional a ser
aplicado por policiais federais e
procuradores da República, segundo a animada exposição ministerial, será buscar "indícios"
de que a autoridade estadual visada participa de narcotráfico ou
outras modalidades do crime organizado. Tal como feito em São
Paulo contra inúmeras pessoas,
em procedimento já reconhecido
como repleto de ilegalidades, a
pretexto do assassinato de Celso
Daniel, mas com propósitos a que
não faltaram inspirações políticas
já bem nítidas.
É para proteger os Estados contra "intervenções brancas" do governo federal que a Constituição
exige determinadas precondições
e a prévia aprovação, segundo o
caso, do Conselho da República,
do Conselho de Defesa Nacional,
do Supremo Tribunal Federal e
do Congresso. A "intervenção
branca" burla tudo isso e, portanto, a Constituição.
Os métodos descritos, com "diálogos especiais" (seja lá o que isso
signifique) e interferência sem
autorização legal em áreas que a
legislação reserva às polícias estaduais, são mais um avanço indevido da "missão especial", como a
qualificou o novo ou neófito ministro. E por que 90 dias, "até a
eleição para o governo estadual",
para a "intervenção branca"? Se a
finalidade relaciona-se com a
eleição, seja para defender sua lisura ou para servir a certo candidato, a Justiça Eleitoral deveria
estar na origem ou, pelo menos,
na discussão da "missão especial", e nem foi considerada.
A "intervenção branca" foi formulada, no Ministério da Justiça,
a pedido de Fernando Henrique
Cardoso para o envio rápido de
uma força-tarefa ao Espírito Santo, dada a multiplicidade de reflexos negativos do recuo, pelo procurador Geraldo Brindeiro e pelo
próprio presidente, na intervenção por meios legais e efetivos. A
força-tarefa é incabível, por implicar a integração da polícia estadual a ser investigada. Mas já
no pedido esteve o reconhecimento de Fernando Henrique de que
a situação do Espírito Santo contém as precondições que requerem a intervenção federal legítima, sem burlas.
Não bastou, porém, o recuo, fosse proposto por Brindeiro ou por
Fernando Henrique, dependendo
da versão de cada um dos dois.
Ao deputado petista Orlando
Fantazzini, presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, Fernando Henrique disse
(na sexta-feira, enquanto o governo idealizava a "intervenção
branca"), que não decretava a intervenção por lhe faltarem poderes para tanto, cabendo só ao procurador geral da República fazer
o pedido ao STF.
O deputado convenceu-se e
atendeu ao pedido de Fernando
Henrique para não denunciar à
ONU, como a comissão da Câmara decidira, a recusa do governo a
uma intervenção em defesa dos
direitos humanos.
"Das atribuições do presidente
da República" é o título de uma
seção da Constituição. Diz o seguinte: "Art.84. Compete privativamente ao presidente da República: (...) decretar e executar a intervenção federal". Cumpridas,
claro, as exigências constitucionais. O que nenhum artigo lhe
permite é a "intervenção branca".
A providência escolhida é mais
uma farsa, esta muito perigosa. O
caso do Espírito Santo é, mesmo,
de intervenção, por uma particularidade em comparação com Estados também violentados pela
criminalidade. A óbvia diferença
é que no Espírito Santo não há
combate ao crime organizado,
porque ele penetrou nas instituições do Estado. Em São Paulo,
Rio de Janeiro e outros, o que há é
combate incapaz -e não só por
deficiência sua- de derrotar a
criminalidade.
Negar que os atuais e os mais
recentes governantes desses Estados não se tenham empenhado
contra a criminalidade, o que seria uma das precondições para
intervenção, é uma injustiça. Cega e disseminada. O que me lembra a indignação do atual secretário de Direitos Humanos e um
dos produtores da "intervenção
branca", Paulo Sérgio Pinheiro,
quando era crítico, ou seja, antes
de receber um posto governamental.
Escrevi, referindo-se à exposição de um governador à crítica
fácil no caso da criminalidade,
que bastava uma rebelião qualquer na Febem e Mário Covas já
seria atacado por todos os lados.
Paulo Sérgio Pinheiro me mandou várias críticas atribuindo-me, por sua evidente má leitura
do artiguinho, defesa da política
de segurança do governo Mário
Covas, da qual pensava e dizia o
pior. Poderia, agora, pelo menos
não fazer o que criticava nos que
foram incumbidos de direitos humanos e segurança pública -e
isso não o impediria de defender
o governo até no mais indefensável.
Segurança, lembra-se?, era um
dos dedos das cinco promessas
fundamentais de Fernando Henrique. Era uma das "promessas
brancas".
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