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REGIME MILITAR
Ministério do Exército realizou operação em 1970 para intimidar e prender intelectuais acusados de subversão
Plano secreto visava professores da USP
LILIAN CHRISTOFOLETTI
DA REPORTAGEM LOCAL
No início dos anos 70, no regime
militar, o Ministério do Exército
conduziu uma operação sigilosa
com o objetivo de intimidar e de
prender cerca de cem pessoas, em
sua maioria professores e estudantes da Universidade de São
Paulo acusados de subversão.
O plano, detalhado em relatório
de quatro páginas ao qual a Folha
teve acesso, recebeu título sugestivo: "Tarrafa", referência à rede de
pesca que pega tudo o que estiver
ao seu alcance. Tal como sugere o
nome, a operação deu liberdade
aos órgãos envolvidos para incluírem novos suspeitos, "mesmo
que aparentemente não haja motivos que determinem a prisão".
A lista dos "procurados" incluía
o sociólogo Octavio Ianni, a professora emérita de história da
Universidade de Yale (EUA) Emília Viotti da Costa, o presidente do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico,
Erney Felício Plessmann Camargo, e o professor emérito do Instituto Pasteur (Paris) Luiz Hildebrando Pereira da Silva.
A operação Tarrafa, segundo
historiadores, não foi a primeira
ação de intimidação levada a cabo
durante o regime militar, mas certamente é uma das poucas com
tantos detalhes operacionais e
com a participação comprovada
de diferentes órgãos de Estado,
sob a supervisão do Exército.
O documento, descoberto durante as buscas de familiares de
presos políticos na Divisão de Arquivo do Estado de São Paulo, foi
assinado em 2 de abril de 1970 pelo general-de-brigada Ernani Ayrosa da Silva, então chefe do Estado-Maior do 2º Exército, e pelo
coronel Erar de Campos Vasconcellos, chefe da 2ª Seção do Exército -ambos já mortos.
Como "organizações coatoras"
estão, além do Exército, a 4ª Zona
Aérea, a Força Pública do Estado
de São Paulo (atual Polícia Militar) e o Deops-SP (antes Dops).
Há referência sobre a prisão de
cem pessoas. A Folha teve acesso
à lista do Deops, de 12 de novembro de 1970 e com o título "Operação Tarrafa", que traz os nomes
dos 33 "principais líderes da contestação e da subversão".
Do total, pelo menos 19 pessoas
pertenciam aos quadros da USP.
Quatro foram presas na operação
Tarrafa: Octavio Ianni, Emília
Viotti, Erney Plessmann Camargo e o cardiologista Reynaldo
Chiaverini (que morreu em 1981).
Outros foram chamados para depor e liberados em seguida. A
maioria vivia na clandestinidade.
"Depois que fui preso em frente
à minha casa, minha mulher avisou todos os nossos amigos, para
que fugissem. Muitos estavam na
lista", disse Plessmann Camargo.
Da relação fazem parte ainda três
ex-sindicalistas (Jairo Costa Bonilha, Rubens Vasconcellos e Bonifácio Evangelista de Brito).
A Folha buscou o paradeiro das
33 pessoas listadas. Uma delas foi
morta no regime (o líder estudantil do Movimento de Libertação
Popular, José Roberto Arantes de
Almeida, em 71). Outra está entre
os desaparecidos (o ex-militante
da Vanguarda Popular Revolucionária, Vitor Carlos Ramos, visto pela última vez em 74).
Da lista de procurados, a reportagem conversou com 11 pessoas.
Somente Ianni, 76, e Plessmann
Camargo, 68, presos na operação
Tarrafa, tinham ouvido falar da
operação, mas não conheciam o
relatório. Cinco pessoas da lista
morreram após o fim do regime,
outras não quiseram falar.
"Quando cheguei ao Dops, os
policiais disseram que eu havia sido preso por causa do plano Tarrafa. Foi a operação mais burra
que conheci porque queria prender todo mundo, independentemente do passado dessas pessoas", disse Ianni, preso no dia 20
de abril de 1970.
Detido no mesmo dia, mas em
circunstâncias diferentes, Plessmann disse ter ficado "impressionado" com o documento. "É uma
loucura. Eles fizeram um plano
para intimidar as pessoas e afirmaram isso com todas as letras",
disse o presidente do CNPq, que
ficou preso por cerca de dez dias.
O Centro de Comunicação Social do Exército informou desconhecer o "documento citado",
acrescentando que, "pela data em
que foi expedito, seu original e
possíveis documentos de teor semelhante já devem ter sido destruídos, de acordo com a legislação referente ao trato de documentos sigilosos".
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