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PÚBLICO X PRIVADO
Coteminas teria manobrado para receber subvenções indevidas do setor
público na compra de algodão
Empresa de Alencar é acusada de fraude
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Luiz Inácio Lula da Silva (PT)
nem tomou posse e já tem diante
de si um desafio de natureza ética:
terá de investigar a Coteminas.
Pertence a José Alencar (PL-MG),
vice-presidente eleito. É acusada
de fraudar o erário.
A acusação, feita por empresário do ramo algodoeiro, tramita
na Corregedoria Geral da União,
órgão do Palácio do Planalto. O
processo ganhou, na terça-feira, o
número 190.994189/2002-90.
Contém documentos que expõem os meandros da relação comercial da Coteminas, segunda
maior indústria têxtil do país,
com o sua principal fornecedora
de algodão, a família Vasconcelos
Bonfim, hoje em litígio com a empresa.
Chama-se Carlos Newton Vasconcelos Bonfim o patriarca da
família. Controla, junto com o filho Carlos Newton Vasconcelos
Bonfim Jr. e outros familiares, as
firmas Bial Algodoeira e Algodoeira Califórnia.
Subvenções
A Folha obteve cópia dos papéis
sob investigação. Mostram que a
Coteminas comprou, em leilões
da Conab (Companhia Nacional
de Abastecimento), lotes de algodão que, na prática, já lhe pertenciam. A manobra permitiu que
amealhasse subvenções que o governo distribui em pregões agrícolas. Deu-se o seguinte:
1) a Coteminas costuma antecipar a aquisição de algodão. Começa a comprar no início do
plantio, paga adiantado ao agricultor e recebe o produto depois
da colheita. É prática comum no
mercado. Evita contratempos no
suprimento de matéria-prima;
2) só na safra 1999/2000, a Coteminas adquiriu da família Bonfim
cerca de 16 mil toneladas de algodão. Firmaram-se nove contratos
entre outubro de 1999 e junho de
2000. O primeiro deles, uma "escritura pública de compra e venda
de 4.000 toneladas de algodão",
traz, entre outras, a assinatura do
próprio José Alencar;
3) simultaneamente, a Coteminas frequentou os leilões da Conab, destinados a evitar que a produção agrícola encalhe nas mãos
de produtores rurais. Nesse tipo
de leilão, vão ao martelo lotes de
PEP. A sigla identifica um programa criado sob o governo Fernando Henrique Cardoso: "Prêmio
de Escoamento de Produto".
4) em vez de comprar e estocar
excedentes agrícolas, o governo
federal passou a pagar um prêmio
em dinheiro, o PEP, para que os
próprios compradores levem os
produtos do campo para as áreas
de consumo;
5) os computadores da Conab
informam que, no ano de 2000, a
Coteminas amealhou R$ 9,1 milhões em subvenções. Dinheiro
vivo, que migrou do Tesouro Nacional para o caixa da empresa.
Parte do prêmio é irregular.
Quanto? Só a investigação poderá
determinar, a partir dos indícios
disponíveis;
6) no dia 12 de julho de 2000,
por exemplo, a Conab realizou
um de seus leilões. Destinava-se
ao escoamento do algodão da safra 1999/2000. A Coteminas arrematou R$ 4,2 milhões em PEPs,
quase metade de toda subvenção
que obteve do governo federal naquele ano;
7) seguindo as normas da Conab, depois de arrematar o prêmio, a Coteminas teve de indicar
os nomes dos produtores que lhe
venderiam o algodão. Entre eles
estava Carlos Newton Bonfim Jr.,
da mesma família cuja safra a Coteminas já havia comprado e pago. Coube a ele o "fornecimento"
de 3.483 toneladas de algodão;
8) ou seja, parte do algodão que
a empresa do vice-presidente eleito José Alencar "comprou" no leilão de 12 de julho já era sua por
contrato. Encontrava-se estocada
em depósitos do fornecedor;
9) quem arremata produtos
agrícolas em pregões da Conab se
obriga a fazer o pagamento ao
produtor por meio do Banco do
Brasil. No leilão de 12 de julho de
2000, a transação com Bonfim Jr.
resultou em depósitos de R$ 7,5
milhões;
10) súbito, o "vendedor" Bonfim Jr. pôs-se a fazer depósitos
bancários em favor da "compradora" Coteminas. Era a restituição de algo que, na verdade, os
Bonfim já haviam recebido. A devolução produziu, na movimentação bancária das empresas, um
rastro que leva à pantomima do
leilão;
11) a Folha obteve cópia de quatro depósitos de Bonfim Jr. e das
empresas da família dele para a
Coteminas. Pingaram na conta
55.063-9, agência 3114-3, do Bradesco: R$ 1,050 milhão em 26 de
julho de 2000; R$ 135 mil no mesmo dia 26 de julho; R$ 1,713 milhão em 31 de julho de 2000; e R$
2,133 milhões em 1º de agosto. Tudo somado, foram devolvidos à
Coteminas pelo menos R$ 5,030
milhões.
Intervenção no mercado
O PEP foi idealizado como uma
ferramenta de intervenção pontual no mercado agrícola. A Conab organiza os leilões sempre
que fareja o risco de algum produto micar no armazém do produtor.
No caso envolvendo a Coteminas e os Bonfim, duas partes que
já haviam se acertado, o governo
meteu-se onde não era chamado.
Deu subvenção a quem não precisava, para escoar um produto que
já estava vendido e pago.
Os documentos que vieram a
público não permitem concluir se
houve novos simulacros em leilões. Não se sabe se outros compradores recorreram ao mesmo
tipo de manobra. Tampouco é sabido se, além dos Bonfim, outros
produtores participaram de simulações.
Havendo interesse, a investigação pode, pelo menos no caso da
Coteminas, ser aprofundada.
Além da subvenção de R$ 9,1 milhões que recebeu em 2000, a empresa do vice-presidente eleito,
José Alencar, obteve, segundo os
registros da Conab, R$ 6,7 milhões em PEPs no ano de 2001. O
número de 2002 será fechado no
final do mês.
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