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JANIO DE FREITAS
A ressaca compartilhada
Poucas histórias terminam assim, com todas as partes perdendo. Apesar disso, foi a
melhor solução para a embrulhada, não por falta de vitorioso, mas
pelo surgimento da sensatez onde
as partes mostravam que, acima
do confronto, confraternizavam
na mesma combinação de desequilíbrio e prepotência.
Lula e o governo não se livrarão, ao menos por bastante tempo, das marcas pessoais e políticas
que o episódio lhes apôs. É evidente que a percepção lúcida do
ministro Márcio Thomaz Bastos
convenceu Lula e sua infantaria a
ver um pedido de desculpas na
carta em que o correspondente
Larry Rohter não o fez. Embora
de validade apenas temporária, a
manifestação inicial do Judiciário já fora bastante sugestiva da
improbabilidade de concordância dos tribunais com a cassação
do visto de Rohter. A derrota tendia a ser ainda maior.
Larry Rohter, por sua vez, não
deixou de ser mentiroso, por ter
recebido salvo-conduto preliminar do Judiciário, nem pelo recuo
do governo na cassação de seu
visto. A afirmação de que a bebida de Lula mobiliza a "consciência popular" e é hoje uma "preocupação nacional" não decorreu
da falta de fontes de informação
precisas. Constatar a existência
ou não de tamanha preocupação
dependeria só de observação pessoal. Rohter mora no Brasil e não
viu tal "preocupação nacional",
porque a bebida não está entre as
tantas preocupações de amplitude nacional provocadas por Lula.
Aquela Rohter inventou, para
dar alguma motivação "objetiva"
e "factual" à elaboração do seu
texto difamante.
Rohter diz, na carta considerada aceitável por "The New York
Times" - sem pedido de desculpas-, "jamais ter tido a intenção
de ofender a honra" de Lula. Aí
está a questão mais importante e,
no entanto, relegada: a intenção
da "reportagem" tão grosseiramente desmoralizante. Invenções
são freqüentes na mídia norte-americana, como se viu em recente escândalo no próprio NYT, e o
são especialmente quando se trata de política e instituições latino-americanas. Não são exclusividade de lá. A reportagem política
em Brasília e a de assuntos policiais no Rio inclui vários especialistas no gênero. É um problema
do jornalismo em toda parte.
Nem assim é imaginável que
um repórter decida, gratuitamente, produzir difamações tão graves, leve mesmo um mês elaborando-as, e um editor do NYT as
publique sem verificação alguma.
Ainda mais no jornal que há tão
pouco, sob o abalo da descoberta
de reportagens mentirosas, demitiu seu diretor de redação e comunicou a adoção de novas e rígidas
regras para repórteres e editores
(no fundo, são as regras de sempre,
que estavam, ou estão, desprezadas).
Há muito mais do que preconceito, no texto que o NYT publicou
com grande destaque. Preconceito
em relação a Lula há muito por
aqui mesmo. Exemplo recente gerou até uma situação rara: divergência pública entre integrantes do
"Globo".
Em dia bem apropriado para
considerações sobre um presidente-operário, o Dia do Trabalho, dizia um artigo no jornal: "O presidente fala demais. De forma irrefletida. Diariamente, os jornais relatam suas impropriedades, escorregões e gafes. No jantar da bancada do PTB, ele fez algo mais perigoso: misturou uma dose de uísque
com o improviso". E seguia-se o resultado da "mistura perigosa",
apenas um punhado de louvações
de Lula a si mesmo.
A clara afirmação de influência
da bebida no comportamento presidencial foi mais surpreendente
pela autoria, uma entusiasta da
política econômica de Lula, do que
pela presunção de uma obra do álcool. O também jornalista Ali Kamel observou a propósito, no artigo
"FH e Lula", que não houve críticas a outros presidentes por suas
óbvias bebericagens. O título explicitara a referência, e a conclusão
era direta: "Isso cheira a preconceito". Míriam Leitão replicou, como
Lula faria, com menção aos elogios
recebidos (não só nesse caso, Míriam Leitão é, de fato, muito apreciada no mercado financeiro e no
grupo de Palocci), e considerou a
observação de Kamel "ofensiva e
injuriosa à coluna". Como Rohter,
não considerou assim o seu próprio
texto e, ótimo, também Lula e Luiz
Gushiken não o consideraram. Ou
consideraram, mas, TV Globo, essas coisas, bem, deixa pra lá.
Larry Rohter não ficou no preconceito. Fez um artigo político. O
que estava indicado desde o começo do caso com a inserção, logo na
abertura do segundo parágrafo, da
qualificação do governo Lula como
"esquerdista". Pelas políticas internas, o governo é notoriamente conservador, para não dizer direitista,
com os ônus descarregados sobre
aposentadorias, salário mínimo,
investimentos governamentais, e
favorecimentos recordistas ao mercado financeiro. "Esquerdista", então, só se na política externa de conotação independente. Razão bastante e tradicional para que a chamada grande imprensa norte-americana tire das gavetas o cartaz "Tio Sam precisa de você".
Larry Rohter respondeu. E o governo Lula colaborou com seu propósito, dando expansão mundial
ao assunto.
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