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NO PLANALTO
Cocamp põe dinheiro na conta de José Rainha
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Bem-aventurado José
Rainha Júnior. No campo, é
um com-terra. Possui lote no assentamento Che Guevara, Pontal
do Paranapanema. Na cidade, é
um com-teto. Tem casa em Teodoro Sampaio. Comprou-a da estatal Cesp por R$ 4.000.
Descobre-se agora que o líder
do MST é também um com-extrato. Opera a conta 14.934-9,
agência 221-6, Bradesco. Recebeu
em 2 de outubro de 98 um depósito de R$ 228.296,42. O aporte
intriga pelo valor. E espanta pela
origem.
Veio da conta número 16.339-2,
mantida na mesma agência. Pertence à Cocamp (Cooperativa de
Comercialização e Prestação de
Serviços dos Assentados de Reforma Agrária do Pontal Ltda.).
Rainha era à época secretário-geral da entidade.
O dinheiro da Cocamp foi usado para liquidar um empréstimo
pessoal que Rainha contraíra no
Bradesco. A dívida era do mesmo
tamanho do mimo: R$
228.296,42. A operação bancária,
por imprópria, não figura na
contabilidade da Cocamp.
O braço financeiro do MST na
região do Pontal está sob investigação da PF e do Ministério Público desde 2001. Teve o sigilo
bancário quebrado. A decisão judicial alcançou também as contas dos gestores da cooperativa.
No caso de Rainha, a pequena
amostra obtida pelo repórter exibe o cotidiano de um correntista
errante. Toma empréstimos com
gosto. Paga-os a contragosto. A
impontualidade custa-lhe os
olhos da cara.
Em 22 de setembro de 98, 11
dias antes do depósito da Cocamp, o líder sem terra ostentava
saldo bancário digno de um com-tudo: R$ 219.762,86. Súbito, a
grana foi apropriada pelo banco
em três lançamentos de débito.
Dois cobriram juros de mora por
atraso no pagamento de empréstimos: R$ 38.282,96 e R$
43.180,58. Um terceiro pagou empréstimo pessoal de R$
138.153,00.
O repórter ouviu Rainha na última quarta-feira. Ele disse:
"Lembro que, nesse período, em
que a Cocamp não tinha ainda o
seu registro legal, nós operamos.
Não só no meu nome, mas no de
outras pessoas [...]. Foi feito empréstimo em nome das pessoas,
porque não tava legal ainda, o
CGC e tal. Depois, nós cobrimos
certinho".
Perguntou-se a Rainha se outros diretores da cooperativa
contraíram empréstimos para a
Cocamp. E ele: "Não posso te afirmar de outros diretores. Mas teve
outras pessoas físicas amigas, que
nós tocamos com operações assim". O banco sabia que os empréstimos destinavam-se à Cocamp? "O banco não sabe. Era
uma decisão nossa, interna."
Quanto somam todos os empréstimos? "Não sei precisar. Nós movimentamos bastante, para tocar
a cooperativa até a legalização."
As palavras de Rainha pecam
por falta de nexo. Fundada em
94, a Cocamp estava plena e regularmente constituída em 98.
Além da conta no Bradesco, relaciona-se com o Banco do Brasil
desde 96. É por meio do banco
oficial que recebe dinheiro da
Viúva.
No fatídico ano de 98, o governo FHC foi generoso. Deu-se em
janeiro a maior transferência às
arcas da Cocamp: R$ 3,7 milhões.
Destinaram-se a um complexo
agroindustrial dotado de despolpadeira de frutas, silos e laticínio.
O empreendimento, ainda inconcluso, convive com suspeitas
de desvios. Em agosto de 2003, já
sob Lula, Brasília tentou injetar
mais R$ 191.000,00 no projeto.
Acionada pelo Ministério Público, a Justiça impediu.
Àquela altura, a Cocamp já havia beliscado coisa de R$ 10 milhões em verbas públicas. Auditoria feita em 2001 constatara que
parte da verba foi malversada.
Naquele mesmo ano, Rainha
afastou-se da direção da Cocamp. Alegou que precisava voltar a "atuar na base". Disse:
"Nossa tarefa é organizar os excluídos e meter ocupações nesses
latifúndios, enfrentando o projeto neoliberal desse governo
[FHC] irresponsável."
Em julho de 2002, sem alarde, o
MST afastou Rainha também da
coordenação de suas operações
no Pontal. Quatro meses depois,
em reunião reservada em Brasília, os líderes do movimento debateram o alarido que ecoava
dos porões da Cocamp.
Rainha compareceu ao encontro. A portas fechadas, disse que,
cedendo à "armação" de seus
"inimigos", o MST sairia enfraquecido. Restituíram-lhe o comando no Pontal. Um gesto arriscado.
Se a PF e o Ministério Público
decidirem meter ocupações nos
latifúndios bancários do MST,
enfrentando o projeto de falta de
transparência do movimento, ficará ainda mais evidente que há
muito por explicar.
Aqui mesmo, neste retângulo,
revelou-se em abril de 2001 que a
PF invadira o extrato bancário
de Miriam Farias de Oliveira. É
uma sem-terra de mostruário.
Filiada à Cocamp, milita nas fileiras do MST.
A polícia recebeu de fonte anônima o extrato de Miriam. Verificou que a conta da sem-terra
(número 07345, agência 2.718 do
Banco do Brasil) exibia extraordinários índices de produtividade. Em escassos 20 dias (de 1º a 21
de novembro de 2000), movimentou R$ 96.753,60.
Ouvido à época pelo repórter,
Sérgio Pantaleão, um dos líderes
do MST no Pontal, disse que a
conta de Miriam fora usada para
movimentar recursos do FAT
(Fundo de Amparo ao Trabalhador). Num segundo momento, ele
se corrigiu: "Esse dinheiro que
caiu nessa conta foi doação de
uns sindicatos e também de
umas organizações não-governamentais".
O aparato investigatório do Estado demora-se na apuração dos
truques bancários do MST. Procuradores da República estão
sentados há mais de dois anos sobre uma pilha de extratos malcheirosos. Nenhum dos suspeitos
recebeu, por ora, uma mísera notificação. O contribuinte brasileiro não merece semelhante letargia.
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