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NO PLANALTO
O futuro da corrupção nas mãos do STF
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O país parece não ter-se dado conta, mas o STF está
prestes a tomar uma decisão
com aroma de história. Não havendo adiamento, será na próxima quarta-feira. Dependendo
da sentença, a chamada coisa
pública, ou seja, a coisa nossa,
pode converter-se em cosa nostra.
Uma sessão do STF é, como se
sabe, o próprio tédio. Tédio de
toga e com pompa. Tédio supremo. Reunidos, os juízes costumam produzir dois tipos de debate: os maçantes e os insuportáveis. Ainda assim, recomenda-se às pessoas de bem que não
deixem de acompanhar a discussão de quarta-feira.
Vai a julgamento um papel
chamado "Reclamação 2.138-6". Trata-se de queixa do governo contra decisão tomada na
14ª Vara da Justiça Federal de
Brasília. Condenou-se ali um
ministro de FHC: Ronaldo Sardenberg (Ciência e Tecnologia).
Ele foi ao cadafalso por fazer
turismo com jatos da Aeronáutica. Viajou a Fernando de Noronha. Visitou Salvador. Esteve
em Ilhéus. Instado a defender-se, não negou o uso dos jatos.
Alegou que a legislação não
proíbe expressamente a apropriação privada das asas da
FAB, movidas a dinheiro público.
Sentenciaram-no à perda do
cargo, suspensão dos direitos
políticos por oito anos, ressarcimento de despesas e multa de
R$ 20 mil. Penas que só seriam
aplicadas depois do julgamento
de todos os recursos cabíveis.
Coisa demorada.
Sardenberg foi enquadrado
na Lei de Improbidade Administrativa, ferramenta entregue
em 1992 pelo Congresso a procuradores e promotores. Utensílio
de inestimável serventia no
combate aos desvios de conduta
de gestores públicos. Propiciou a
destituição de prefeitos larápios.
Alguns foram ao xilindró.
A reclamação que o governo
protocolou no STF pôs de pé
uma tese inusitada. Dividiram-se os funcionários públicos em
duas categorias: os "agentes políticos" e os demais servidores.
Somente a segunda categoria,
composta de modestos barnabés, estaria sujeita aos rigores
da Lei de Improbidades e à caneta de juízes de primeira instância. Funcionários de primeira classe teriam direito a "foro
privilegiado".
Prevalecendo esse entendimento, "agentes políticos" pilhados em ações de improbidade só poderiam ser julgados nos
tribunais. Presidente da República, ministros, senadores e deputados federais no STF; governadores no STJ; deputados estaduais, prefeitos e vereadores nos
Tribunais de Justiça.
Em decisão provisória, o ministro Nelson Jobim acolheu a
tese marota do governo. E suspendeu liminarmente a condenação imposta a Sardenberg.
Promotores do Paraná e procuradores da República recorreram contra a decisão, que será
agora analisada pelo pleno do
STF.
Confirmando a decisão de Jobim, o Supremo transformará a
Lei de Improbidades Administrativas num aleijão. De quebra,
afrontará a Constituição, que
excluiu os atos de improbidade
da lista de crimes que sujeitam
autoridades a julgamentos em
foro especial.
No rastro de Sardenberg, outras cinco pessoas tentam suspender no STF processos judiciais em que são acusados de
usar jatos oficiais para lazer
pessoal: o procurador-geral Geraldo Brindeiro e os ministros
Pedro Malan, Paulo Renato,
Sérgio Amaral e Alberto Cardoso.
O eventual benefício concedido aos ministros e ao procurador será uma gota no oceano de
prejuízos que irá desaguar de
uma decisão enviesada do STF.
Mencione-se, por eloquente, um
detalhe que vem sendo omitido
no debate que anima os porões
de Brasília.
Vai ao lixo um naco da chamada Lei de Responsabilidade
Fiscal, festejada por Pedro Malan como um dos feitos do governo FHC. Aprovada em 2000,
a lei tipificou como ato de improbidade administrativa o
manuseio irresponsável dos orçamentos públicos.
Ora, quem gerencia tais orçamentos são justamente os
"agentes políticos". Os mesmos
que o governo deseja colocar a
salvo de procuradores, promotores e juízes de primeira instância.
De cara, corre-se o risco de tornar sem efeito dezenas de denúncias e de inquéritos civis
abertos pelo Ministério Público,
país afora, para apurar malfeitorias de prefeitos e vereadores.
Restará a impressão de que o
crime pode compensar. Desde
que cometido acima de um determinado escalão.
Não perca a sessão de quarta-feira. Começa às 14h, com transmissão ao vivo pela TV Justiça,
captada nas capitais pelas redes
a cabo. Tome um calmante e
prepare um balde de pipoca. Esconda o controle remoto, para
não cair na tentação de mudar
de canal ao primeiro data venia.
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