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BRASIL PROFUNDO
Dados indicam que desnutrição infantil entre índios é 126% maior
Programa contra a fome não chega à população indígena
GABRIELA ATHIAS
ENVIADA ESPECIAL A REDENTORA (RS)
O principal programa de complementação de renda para crianças desnutridas do governo federal, o Bolsa-Alimentação, não beneficia as comunidades indígenas. A taxa de desnutrição entre
as crianças índias (de até 6 anos e
11 meses) é 126,3% maior do que
entre as não índias da mesma faixa etária.
Seis em cada cem crianças não-índias são desnutridas. Entre as
índias a taxa é de aproximadamente 13,6%.
Os dados -fruto de um cruzamento feito a partir de informações da Fundação Nacional de
Saúde e da Pastoral da Criança-
indicam ainda que a mortalidade
infantil entre os índios é 115,5%
maior do que entre os não índios.
Essa taxa entre a população
branca é de 29 óbitos a cada mil
nascidos vivos. Entre os índios é
de 62,5 a cada mil. Entre as causas
da mortalidade estão a diarréia e a
falta de saneamento básico, que
são um "subproduto" da miséria
das comunidades indígenas.
Para completar, a mortalidade
entre as crianças índias aumentou
9% entre 2001 e 2002, apesar de os
dados deste ano serem parciais.
Mapa
A fome entre os índios não é um
problema desconhecido do poder
público. Em 94, a Ação de Cidadania Contra a Fome e a Miséria, associada a outras organizações
não-governamentais, elaborou o
"Mapa da Fome entre Povos Indígenas no Brasil".
O trabalho (um dos links do Ministério da Saúde na internet)
mostra que pelo menos 106.764
índios (34,7% do total pesquisado) já eram vítimas da fome. A
pesquisa foi feita em 51,5% das
577 terras indígenas do país.
A 44 dias do término da gestão
de Fernando Henrique Cardoso,
o governo diz ter finalmente encontrado um caminho para solucionar o problema da auto-sustentação dos índios.
Só que a portaria que cria o
"Programa de Promoção da Alimentação Saudável em Comunidades Indígenas" ainda está sendo discutida no Ministério da
Saúde. Deverá ser assinada pelo
titular da pasta, Barjas Negri.
A fome ocorre principalmente
entre os chamados "índios do asfalto", cujas reservas são próximas às zonas urbanas, e que, há
décadas, já não sobrevivem de caça, pesca ou de coleta. É o caso,
principalmente, das reservas indígenas do Sul, Centro-Oeste e Nordeste do país.
Segundo a Funasa (Fundação
Nacional do Índio) algumas tribos do Norte também sofrem
com o problema, mas são casos
isolados já que os territórios indígenas dessa região são maiores e
mais isolados dos centros urbanos do que os localizados em outras regiões do país.
Como os "índios do asfalto" não
caçam ou pescam e não têm recursos para comprar insumos e
orientação técnica para virarem
agricultores, as comunidades
com esse perfil sobrevivem basicamente da aposentadoria dos índios mais velhos.
A aposentadoria (um salário
mínimo) chega a sustentar até 20
pessoas. Geralmente, os idosos
pagam a alimentação dos filhos e
de todo os netos.
Próspero
Um dos casos mais "clássicos"
do país de fome entre "índios do
asfalto" é o do Rio Grande do Sul.
Em Redentora, norte do Estado, a
terra indígena de Guarita está separada da sede do município por
uma estrada.
As crianças de até quatro anos
das aldeias de Missões, Katiu Griá
e São João do Irapuá (dentro de
Guarita) mal tem o que comer.
Alimentam-se basicamente de arroz e feijão em quantidade quase
sempre insuficiente para saciar a
fome e suprir as necessidades diárias de nutrição estabelecidas pela
Organização Mundial de Saúde.
Em setembro passado a Procuradoria da República do Rio
Grande do Sul fez uma recomendação ao Ministério da Saúde para adequar o Bolsa-Alimentação à
realidade dos índios. Se a determinação não for cumprida até dezembro, a Procuradoria poderá
entrar com uma ação judicial
contra o ministério.
O que "salva" as crianças de
Guarita é o leite em pó fornecido
semanalmente às crianças desnutridas (e com algum risco de desnutrição) pela Funasa e a atuação
de ONGs locais. "Combatemos a
fome com leite em pó, mas não é
correto. Os índios precisam de comida", diz Paulo Mabília, diretor
da Funasa do Estado, que tem 15
mil índios das etnias caingangue e
guarani.
O chefe do posto da Funasa de
Posso Fundo, Gilson Urnau, explica que as maiores vítimas de
desnutrição são as crianças de
dois a quatro anos. Nessa idade
elas já não mamam no peito da
mãe e ainda não entraram em idade escolar, quando o problema
praticamente desaparece em razão da merenda.
No ano passado, a mortalidade
infantil entre os índios do interior
do Rio Grande atingiu o índice de
62,3 a cada mil nascidos vivos. Em
Guarita, no primeiro trimestre de
2001, morreram pelo menos 15
crianças de até dois anos vítimas
de diarréia.
Depois dessas mortes, a Funasa
aumentou de oito para 18 o número de equipes de saúde que
atuam nas reservas do Estado e
iniciou um projeto de levar água
potável aos territórios indígenas.
Quase um ano depois, das 33 aldeias, 13 contam com o benefício.
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