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LAVOURA ARCAICA
Trajano Leal Alves, 44, que é conhecido como Tatu, começou a trabalhar na lavoura aos 11 anos, em Goiás
Saga de piauiense nômade inclui três resgates em 20 anos
ENVIADA ESPECIAL AO SUL DO PARÁ
O piauiense Trajano Leal Alves,
44, foi resgatado três vezes pelo
Ministério do Trabalho, nos últimos 20 anos, como vítima de exploração de mão-de-obra escrava
no meio rural. Localizado pela
Folha em Redenção, no sul do Pará, Tatu, como é conhecido, narrou sua saga de nômade à procura
de emprego.
Sua história é uma versão ampliada dos problemas vividos por
migrantes analfabetos que, como
ele, saem do Maranhão e do Piauí
(principais fornecedores da mão-de-obra análoga à escrava) em
busca de ocupação em outros Estados e acabam caindo num círculo vicioso do qual não conseguem se libertar.
Tatu tem seis filhos -que vivem espalhados por Tocantins e
Maranhão- e deixou sua terra
natal, Uruçui, quando ainda era
criança. Começou a trabalhar na
lavoura aos 11 anos, na companhia do pai, em Goiás.
Aos 18 anos, virou "peão-de-trecho" -trabalhador nômade
que faz serviços temporários em
fazendas, sem carteira assinada
nem endereço fixo. Ficou nessa
condição por quatro anos, quando resolveu tentar a sorte como
garimpeiro. Chegou a Serra Pelada, no auge da produção do garimpo, em 1982, e conseguiu meio
quilo de ouro.
Gastou o dinheiro na compra de
dois carros. Como não sabia dirigir, arrebentou o primeiro em
duas semanas e trocou o segundo
por uma casa, em Goiás, que acabou vendida.
Voltou à vida de peão-de-trecho
e, em 1985, foi resgatado pela primeira vez pela fiscalização do Ministério do Trabalho. Ele prestava
serviço na Fazenda Santa Cruz, no
Pará. Foi colocado num ônibus e
mandado de volta para Goiás.
Com o dinheiro da indenização
trabalhista -de cujo valor ele já
não lembra-, comprou roupa e
comida e logo voltou à situação de
peão-de-trecho.
Tatu foi resgatado, pela segunda
vez, em janeiro do ano passado,
na fazenda Guarapará, em Cumaru do Norte (Sul do Pará), onde
prestava serviços, desde novembro de 2002, contratado pelo "gato" Edmilson Dantas
O Ministério do Trabalho enviou a fiscalização a Guarapará
por causa de denúncias de que haveria trabalhadores mortos. A
suspeita não se confirmou, mas o
Grupo Especial de Fiscalização
Móvel autuou o local por manter
130 trabalhadores em situação
análoga à de escravos. Tatu faturou R$ 2.222 e, três meses depois,
voltou à rotina nas fazendas.
O terceiro resgate foi em agosto
do ano passado, quando roçava
pasto na fazenda Rio Bonito, na
divisa de Mato Grosso com o Pará, contratado por Edmilson Dantas. Outros 91 homens foram retirados da fazenda.
A reportagem encontrou Tatu
na sede do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Redenção, onde fora receber a terceira parcela
dos direitos trabalhistas.
Segundo o sindicato, ele trabalhou 11 semanas antes de ser resgatado e havia recebido R$ 250 do
empreiteiro como adiantamento.
Somado o seguro-desemprego,
teve direito a mais R$ 2.235.
Perguntado sobre o que iria fazer dali por diante, respondeu que
voltaria para o mesmo tipo de trabalho quando o dinheiro acabasse. "Não tenho mais nada, além
desses braços para trabalhar."
Histórias como a de Tatu são
freqüentes. O relatório da fiscalização feita na fazenda Agrovas,
em São Félix do Araguaia (MT),
no ano passado, chama a atenção
para esse fato. "Mesmo depois de
libertados, os trabalhadores voltam ao círculo vicioso. Gastam o
dinheiro com bebidas, têm os documentos furtados durante as bebedeiras e as noitadas em bordel e
voltam para a cadeia da servidão",
diz o relatório.
(ELVIRA LOBATO)
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